No mundo desenvolvido, robôs já auxiliam juízes a tomar decisões com mais celeridade. Agora, algumas iniciativas começam a brotar no Brasil.
Os magistrados brasileiros vivem soterrados por processos. Julgam 1.819 casos por ano, o dobro dos italianos e dos espanhóis e o quádruplo dos portugueses. Por mais que trabalhem, porém, os juízes brasileiros não conseguem dar conta do recado. Há 80 milhões de processos parados. O que se pode fazer para destravar o nosso Judiciário?
A resposta pode vir da Estônia: usar robôs. O pequeno país báltico lidera os rankings europeus de educação e é o terceiro do mundo no Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). É também um dos mais avançados na digitalização da administração pública e na implementação de inteligência artificial. Por lá, até as eleições presidenciais foram feitas online. Agora, os estonianos deram mais um passo à frente. Começaram a testar o uso de juízes digitais nos para casos de baixa complexidade.
Cabe a um algoritmo analisar disputas avaliadas em menos de 7 mil euros, como aquelas julgadas por aqui nos tribunais de pequenas causas. O processo funciona assim: os litigantes enviam seus documentos, o computador lê tudo e promulga rapidamente a decisão, que pode ser revisada por um juiz humano em caso de litigação continuada.
Robôs juízes no Brasil
O atual estado da arte da Inteligência Artificial permite seu uso com extrema segurança na Medicina e, como se viu, na Justiça. A mudança fundamental para tornar a IA aplicável no diagnóstico de doenças e na resolução de conflitos na vida real das pessoas foi a mudança de conceito dos especialistas processada nos últimos cinco anos. Todos os recursos e dinheiro eram gastos na construção de soluções digitais que tentavam imitar o processamento de informações como ele ocorre nas redes neuronais humanas. Esse caminho mostrou-se equivocado. Os cientistas descobriram, porém, que se era quase utópico tentar ensinar diretamente um computador a operar um paciente ou produzir uma sentença judicial aceitável com base na rede neuronal humana, não seria impossível ensiná-lo a aprender a desempenhar tarefas complexas usando seus próprios recursos digitais. A diferença entre “ensinar o computador a fazer” algo e ensiná-lo “a aprender a fazer” algo é sutil. Mas foi essa mudança que produziu os resultados gigantescos que estão sendo colhidos pela Inteligência Artificial.
Mesmo assim, permitir a aplicação da lei por um código de computador é controverso. Ainda não se sabe exatamente quais serão os efeitos da experiência estoniana. Mas há lições a serem tiradas dela e que podem ser implementadas de maneira bem menos radical no Brasil.
Por aqui, os robôs podem ser usados para auxiliar o trabalho dos juízes – algo comum nos Estados Unidos, como você vai ler mais abaixo. Um dos principais problemas do nosso Judiciário é o acúmulo de processos repetitivos. Eles permanecem estacionados nas instâncias de 1o e 2o graus à espera de decisões que nunca são dadas pelos tribunais superiores.
Só no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, há 250 temas de recursos repetitivos. No Supremo Tribunal Federal (STF) há casos indefinidos há mais de uma década. Essas poucas ações paradas por lá emperram centenas de milhares de outros processos que estão suspensos nos tribunais regionais federais, turmas recursais, varas e juizados. É aí que podem entrar os robôs.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais criou o Radar. Trata-se de algoritmo que não dá a sentença, como acontece na Estônia, mas identifica as ações que se repetem. O sistema congrega 5,5 milhões de processos distribuídos por diferentes comarcas, identifica os similares e os repassa aos juízes para que sejam julgados conjuntamente em uma ação normatizada. Assim, as pilhas de ações acumuladas vão se desfazendo mais rapidamente.
O próprio CNJ criou no início deste ano um laboratório de inovação e um centro de inteligência artificial para desenvolver programas que acelerem o andamento dos processos. O STF e o STJ também começaram a fazer o mesmo. Nos estados, além do mineiro, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rondônia, também avançam.
Juízes robôs pelo mundo
Nos Estados Unidos, dois casos chamam a atenção. O primeiro deles é um algoritmo desenvolvido por cientistas do National Bureau of Economic Research capaz de estimar o potencial de reincidência de criminosos. Dessa maneira, é possível apontar com mais precisão quais os bandidos que oferecem riscos menores de praticar novos crimes.
O resultado vem se mostrando satisfatório: o recurso reduziu a reincidência em 25% sem aumentar a população carcerária. “O robô se mostrou mais eficiente do que os humanos para avaliar riscos”, afirma o advogado Caio Cesar Rocha, especialista em arbitragem pela Columbia Law School.
Em outro caso similar, entretanto, os robôs não foram bem. No estado do Wisconsin, descobriu-se que um algoritmo chamado Compas, usado para auxiliar juízes a definir suas sentenças, era mais severo com criminosos negros e latinos do que com brancos. Ao contrário do sistema do National Bureau of Economic Research, o Compas é uma caixa-preta sem transparência e sem auditoria externa.
Acusada de racismo, a máquina sequer recebia informações sobre a raça dos réus. O problema estava na origem das informações que ela usava para chegar aos seus veredictos, um banco de dados com as decisões pregressas do judiciário local, onde negros e latinos eram punidos com maior severidade. O robô, treinado para seguir padrões, percebeu que os moradores das regiões habitadas por essas populações eram mais penalizados e manteve a mesma prática.
O caminho do meio
O uso dos supercomputadores na justiça criminal ou em casos de maior complexidade carece de muitos testes. Mas em esferas mais simples, ele é benfazejo e necessário. Tome-se, por exemplo, o caso das judicialização na área da saúde.
Em apenas 10 anos, houve um aumento de 130% nas demandas judiciais relacionadas ao setor no Brasil. A maior parte delas, são temas recorrentes que poderiam ser agrupados e apresentados em blocos para a decisão dos juízes.
Há duas vantagens nítidas nesse processo. A primeira, mais evidente, é a celeridade com que sentenças seriam dadas. Ninguém precisaria passar anos esperando para resolver um problema com o plano de saúde, por exemplo. A outra vantagem é a previsibilidade. Ao serem usados para padronizar decisões judiciais, os robôs evitariam que vieses pessoais dos magistrados se sobrepusessem ao que ditam as leis. Isso, reitere-se, nos casos de menor complexidade. Esse é um caminho que a Justiça brasileira deveria seguir.