Economista diz que no atual contexto será difícil aprovar projetos modernizantes e abrangentes. Em sua opinião, o BC sozinho não terá sucesso no combate à inflação e será necessário um trabalho conjunto de todo o governo
Não se pode confundir mudanças de legislação com reformas, alerta o economista José Júlio Senna. “O que o Brasil necessita são reformas modernizantes e abrangentes”, afirma.
No atual contexto político, contudo, Senna é cético com relação à possibilidade de aprovação de projetos de mudanças estruturais. “É melhor não ter reformas, porque um governo politicamente fraco não tem como segurar as pressões vindas dos grupos de interesse”, resume.
Em sua avaliação, as reformas devem ter como prioridade o aumento da produtividade. Um dos pontos centrais será rever privilégios e abrir a possibilidade para que não faltem recursos onde eles são mais necessários. Como resultado, haverá mais crescimento e com distribuição de renda mais equânime.
Senna é o chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Já foi diretor do Banco Central e é o autor dos livros Os Parceiros do Rei: Herança Cultural e Desenvolvimento Econômico no Brasil (1995) e Política Monetária: Ideias, Experiências e Evolução (2010).
Para o economista, a frustração com a retomada econômica pós-pandemia se deve a razões estruturais e conjunturais. “Nosso histórico recente de crescimento econômico é muito medíocre. São quatro décadas de renda per capita pífio”, afirma o economista. “Não existe efeito sem causa. Se estamos nessa situação, é porque a economia está emperrada. Há obstáculos que não deixam a gente avançar.”
Esses obstáculos são fatores como a baixa qualidade do capital humano e um sistema tributário ruim, que leva a uma alocação ineficiente de recursos na economia. “É um cenário pouco propício ao crescimento, que só será mudado com reformas modernizantes e abrangentes.”
Além das mazelas estruturais, pesam sobre a economia questões conjunturais, entre elas o aumento do risco fiscal e a instabilidade institucional. “O ambiente político atrapalha muito, porque adiciona um elemento de incerteza além do que já existe”, diz Senna. “Tempos atrás, numa conversa sobre economia, eu não poderia imaginar haver referência à palavra golpe.”
Esse ambiente turbulento inibe os investimentos estrangeiros e a mobilização de capitais nacionais. As incertezas se refletem no aumento dos juros de mercado, com efeito negativo sobre a atividade econômica.
No que diz respeito à alta da inflação, Senna diz que o Banco Central encontra-se numa situação bastante delicada. Existe, assim como em outros países, a pressão da “inflação da pandemia”, causada pelos choques da falta de insumos e pela mudança de hábitos dos consumidores. São desequilíbrios que serão superados provavelmente apenas no próximo ano. Mas no Brasil pesam também fatores como a alta do dólar e a crise hídrica.
“Há uma dificuldade muito grande para entender até onde vai a inflação”, diz Senna. “Por isso existe uma incerteza enorme com relação aos juros do Banco Central.”
As expectativas vêm sendo revisadas para pior, e ficou evidente que será necessário um nível mais elevado na taxa de juros para trazer a inflação de volta para a meta. O IPCA (índice oficial de referência) está próximo de 10%, ante uma meta de 3,75% em 2021 e de 3,5% em 2022.
“Combater a inflação agora é uma tarefa do governo como um todo, não apenas do Banco Central”, diz Senna. “Entregar essa missão para o BC apenas é chance zero de ter sucesso.”