Marcado para próxima sexta-feira, o leilão da Cedae representa o maior projeto de saneamento desde a aprovação do novo marco legal e um investimento de R$ 30 bilhões. É uma oportunidade de o estado superar uma situação constrangedora no que diz respeito à qualidade da água tratada e à rede de coleta de esgoto. Mas o leilão corre o risco de ser esvaziado ou suspenso por causa de ações na Justiça e no Legislativo fluminense.
Na próxima sexta-feira (30 de abril) deve acontecer o aguardado leilão da Cedae, a Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro. Serão oferecidos quatro blocos de contratos. A disputa promete ser acirrada. Mais de uma dezena de empresas, entre elas grupos internacionais, deverão oferecer lances. Tem tudo para ser um importante ponto de virada nos investimentos em saneamento no País. Mas o leilão corre o risco de ser esvaziado ou menos suspenso por causa de ações na Justiça e no Legislativo fluminense.
O leilão carrega em si um simbolismo duplo. Será o maior projeto de saneamento desde a aprovação do novo marco legal, no ano passado. Os investimentos previstos são da ordem dos R$ 30 bilhões, além dos mais de R$ 10 bilhões que deverão ser pagos pela outorga. No total, 35 municípios da Baixada Fluminense serão beneficiados. Se tudo der certo, haverá finalmente a despoluição da Baía da Guanabara. Além de representar a oportunidade de superar a situação constrangedora no que diz respeito à qualidade da água tratada e de sua rede de coleta de esgoto, o leilão poderá também representar um ponto de virada no saneamento das contas públicas do Rio de Janeiro.
Na mais recente edição do ranking do saneamento produzido anualmente pelo Instituto Trata Brasil, avaliando os 100 maiores municípios do País, quatro cidades fluminenses atendidos pela Cedae estão entre as de pior avaliação: São João de Meriti (97º lugar), São Gonçalo (94º), Duque de Caxias (93º) e Belford Roxo (91º). A cidade mais bem classificada do estado é Niterói, na posição de número 24. Lá os serviços estão a cargo de uma companhia privada.
“O leilão da Cedae poderá ser um divisor de águas”, afirma o presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, Edison Carlos. “Se ele for bem-sucedido, poderá incentivar outros governadores a buscarem maneiras de melhorar os serviços mais rapidamente.”
Por tudo isso, o fracasso do leilão seria uma péssima notícia. O governo do estado e os participantes acreditam que decisões contrárias serão derrubadas até sexta-feira. Além do campo jurídico, há outro possível empecilho: a Assembleia Legislativa do Rio deverá votar amanhã (quinta-feira, 29 de abril) um projeto que atrela a concessão da Cedae à renovação do Regime de Recuperação Fiscal do Rio com o governo federal. O problema é que o Ministério da Economia considerou que o estado descumpriu as cláusulas anteriores e o programa de ajuda não pode ser editado novamente.
Há o risco de o leilão, mesmo sendo realizado na sexta-feira, ser alvo de ações e contestações jurídicas. Incertezas contratuais e insegurança jurídica podem inibir possíveis interessados. No final, perde o estado e o País.
Edison Santos | Avanços na privatização e sustentabilidade
Com novo marco, investimentos avançam
Depois da sanção, no ano passado, da nova lei regulatória para o saneamento básico, diversos projetos começaram a ser estruturados em todo o País. As regras do novo marco estipulam metas de universalização dos serviços e, ao mesmo tempo, incentivam a concorrência e a participação de investidores privados, em um ambiente de maior segurança jurídica.
“Com o novo marco, o País terá até 2033 para assegurar que 99% das pessoas tenham água potável e 90% tenham coleta de esgoto”, diz Carlos. “Até o próximo ano, as empresas de saneamento, sejam públicas ou privadas, serão obrigadas a comprovar a capacidade técnica e financeira para atingir essas metas. Se não conseguirem, será aberta uma licitação para que outra empresa preste o serviço. Com isso, os investidores privados terão mais oportunidade. Era um setor muito fechado, no qual há pouca competição e baixa eficiência.”
Os contratos e projetos realizados nos últimos meses têm atraído bastante interesse dos investidores, em uma indicação de que o novo marco contribuirá para destravar os investimentos.
Avanços nos estados
A primeira grande licitação ocorrida já sob as regras do novo marco foi feita por Alagoas, em setembro. A BRK Ambiental, que tem entre seus investidores a canadense Brookfield, desembolsou R$ 2 bilhões pela concessão dos serviços de água de esgoto da região metropolitana de Maceió. Também no ano passado, o Espírito Santo fez leilões para conceder à iniciativa privada os serviços em algumas cidades da região metropolitana de Vitória.
Outros estados também começam a se mexer. No Rio Grande do Sul, o governo abriu processo para privatizar a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). O plano é abrir o capital da empresa, vendendo ações na bolsa. O governo ficará com uma participação minoritária, de 30%. Hoje, mais de 10% das residências gaúchas não têm água encanada e dois terços não possuem esgoto tratado. O estado passa por ajustes para equacionar a sua dívida e, de acordo com o governo, não possui condições financeiras para investir na universalização do saneamento.
Em Minas Gerais, o governo vai definir nos próximos meses os blocos regionais para traçar um plano de concessões do saneamento. Os investimentos previstos para a adequação dos serviços chegam a R$ 20 bilhões.
Projetos como esses deverão se multiplicar pelo Brasil nos próximos meses, uma vez que serão necessários investimentos estimados em R$ 500 bilhões para universalizar a água encanada e o esgoto tratado. Hoje em 94% dos municípios brasileiros os serviços estão nas mãos de empresas públicas — municipais ou estaduais. Mas os governos não dispõem de recursos para cumprir as metas estabelecidas.
“O Brasil é um país que desenvolve vacinas e aviões, mas ainda não consegue levar água tratada e esgoto para toda a sua população”, resume Edison Carlos. “Há 35 milhões de brasileiros, uma população equivalente à do Canadá, sem água potável na torneira. Mais de 100 milhões de pessoas vivem em residências sem coleta de esgoto. É um reflexo de um descaso histórico.”
Haverá sempre resistência de políticos, de servidores e de sindicatos contrários às concessões e privatizações. As reações, como as vistas no passado nas privatizações da telefonia, fazem parte do processo. Por isso os projetos precisam ser feitos com amplo debate público e total transparência. A população precisa conhecer quais são os desafios e quais os caminhos possíveis para enfrentá-los.
A onda de investimentos surgida no embalo do novo marco regulatório mostra que reformas relativamente simples, desde que bem-feitas, podem trazer um impacto positivo enorme para a população. O que falta quase sempre é a coragem política de enfrentar as corporações e os grupos de interesse.