Se temos alguma pretensão de liderar uma economia sustentável, é preciso deixar de lado a visão atrasada de que o respeito ao meio ambiente prejudica o desenvolvimento.
Artigo de Gesner Oliveira e Artur Villela Ferreira, autores de “Nem Negacionismo Nem Apocalipse — Economia do Meio Ambiente: Uma Perspectiva Brasileira”.
Na madrugada do último dia 13/05, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 3.729/2004, do deputado Neri Geller (PP-MT), que constitui a Lei geral de Licenciamento Ambiental. O projeto objetiva reduzir a complexidade e morosidade do processo de licenciamento no Brasil, para aumentar o investimento e o crescimento do país.
A atualização da legislação de licenciamento é discutida desde 2004 no Congresso, o que comprova sua inegável importância. Com todo esse tempo de debate, era de se esperar que o projeto aprovado apresentasse uma sólida base para uma relação harmoniosa entre meio ambiente e crescimento econômico.
Infelizmente, não foi o que os deputados aprovaram. Como ponto positivo fica a centralização de normas em um só lugar facilitando a vida do empreendedor. Apesar disso, o projeto parte do pressuposto que o licenciamento ambiental é um mal a ser evitado e que o respeito ao meio ambiente é apenas um empecilho para o bom funcionamento dos negócios.
Uma série de dispositivos que estão sendo vistos como desburocratizantes ou indutores de investimento podem, na verdade, se demonstrar fontes de incerteza e risco para quem deseja aportar capital no Brasil.
Em primeiro lugar, uma série de atividades foi simplesmente isenta da necessidade de qualquer licenciamento ambiental, como por exemplo as estações de saneamento básico e gestão de resíduos. Ora, é óbvio que em um país permeado por lixões e no qual metade do esgoto não recebe tratamento, essas estruturas são mais do que necessárias. Isso dito, não realizar o licenciamento não significa que, num passe de mágica, qualquer lugar de uma cidade seja adequado para essas obras e que elas possam ser construídas de qualquer maneira.
O licenciamento é exatamente a etapa na qual equívocos são detectados e sanados. Se é ruim ter que fazer ajustes em projetos, seria muito pior descobrir que uma estação de tratamento já pronta está em desacordo com a lei. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), por exemplo, percebeu que esperar uma fusão se realizar para depois ter que cancelar a operação era inviável e adotou desde 2011 a análise ex-ante. Se essa conduta é preferível no caso de operações societárias, o que dirá no caso de obras de infraestrutura.
A segunda figura adota amplamente pelo PL foi o Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), um processo autodeclaratório pelo qual os empreendedores se comprometem a seguir a legislação e recebem, automaticamente, a licença ambiental. Em primeira leitura, esse processo pode brilhar os olhos pela celeridade, mas um olhar aprofundado evidencia que a autodeclaração gera na verdade insegurança para o empreendedor, que pode estar operando em desacordo com legislações ambientais sem nem saber disso.
Relatórios do Banco Mundial em 2008 e 2016 apontaram que os estudos ambientais apresentados em empreendimentos brasileiros sofrem de baixa qualidade. A Confederação Nacional da Indústria aponta que apenas metade dos estudos apresentados são aceitos pelos órgãos ambientais sem pedidos de melhoria.
O próprio Ministro da Infraestrutura recentemente admitiu que parte da demora em processos de licenciamento decorre da baixa qualidade dos estudos ambientais apresentados. Muitos desses empreendimentos, se fossem realizados como inicialmente concebidos, não estariam operando de forma regular.
O risco é ainda maior para quem não está no dia a dia da empresa, como investidores e financiadores. Em um mercado de capitais que preza cada vez mais pelos aspectos ambientais, sociais e de governança, não ter uma certeza sobre a regularidade ou não de um empreendimento pode afastar potenciais fontes de capital, escasso e necessário.
Um dos grandes riscos para o empresário no Brasil é não conseguir saber se está pagando seus impostos de forma correta, sempre com medo de descobrir um erro e receber uma multa pesada. A última coisa que os empreendedores precisam é de mais uma área na qual não conseguem saber se estão de acordo com a lei.
Por fim, é sempre bom apontar que toda matéria dessa relevância será criticada, já que o total consenso é impossível. Exatamente por isso, o processo de debate legislativo e público é importante. O Código Florestal é um ótimo exemplo de legislação fruto de uma construção tão sólida que resistiu a todos os questionamentos e hoje é tido como base para as discussões agroambientais no Brasil.
O PL 3.729 foi exatamente pelo caminho contrário. Apresentado e votado na Câmara em menos de uma semana, o projeto reflete apenas a posição do seu relator e de quem eventualmente possa ter contribuído às portas fechadas com seu texto. Essa forma de tramitação só acirra disputas, incentiva judicialização e é mais um fator que contribui para o aumento, não a redução, da insegurança jurídica no Brasil.
Se temos alguma pretensão de liderar uma economia sustentável e aproveitar o potencial ambiental brasileiro, é preciso deixar de lado essa visão atrasada de que o respeito ao meio ambiente prejudica o desenvolvimento e entender que se o licenciamento ambiental como é hoje tem diversas falhas, o caminho não é extingui-lo. Não podemos jogar o bebê fora com a água do banho.
Gesner Oliveira é economista, PhD pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autor do livro “Nem Negacionismo, Nem Apocalipse – economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira”.
Artur Villela Ferreira é administrador de empresas, sócio da Global Forest Bond e autor do livro “Nem Negacionismo, Nem Apocalipse – economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira”.