Artigo de Daniel Duque compara os sistemas educacionais do Brasil e da Noruega em termos de gastos, qualidade de ensino e valorização dos professores. O que faz da Noruega o país mais desenvolvido do mundo há 16 anos no eixo educação? Quais são as oportunidades para o Brasil? Este é o segundo artigo da série IDH escrita pelo head de inteligência do CLP diretamente da Noruega.
Este é o segundo artigo de uma série que compara a Noruega, líder do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) há 16 anos, com o Brasil, que perdeu cinco posições em 2020. São quatro textos de Daniel Duque que analisam componentes das condições de vida em ambos os países: renda (já publicado), educação, saúde e meio ambiente, cujas questões foram tratadas mais recente edição do IDH. Aqui será analisada a educação.
O Brasil tem longo histórico de descaso educacional. Pagamos esse preço nos dias de hoje. Em média, os brasileiros têm 8 anos de estudo, inferior ao nível fundamental completo. Já a Noruega, o país com o maior IDH do mundo, não apenas acompanhou a Europa no esforço de oferecer educação básica à toda população há mais de um século, como também passou à frente de quase todos os países desenvolvidos nessa política, com uma média de 12,9 anos de estudo. Nesse aspecto, os noruegueses empatam com o Japão e ficam ligeiramente atrás apenas da Suíça e de Israel.
O sistema educacional norueguês
Enquanto no Brasil o acesso ao ensino fundamental foi universalizado em torno do ano 2000, a Noruega tornou os 7 anos da escola primária obrigatórios em 1889, mais de 100 anos antes. Atualmente, tanto o ensino primário, quanto o secundário-inferior são obrigatórios para todas as crianças entre 6 e 16 anos. Criada em 1997, essa lei é seguida à risca. Apesar de não obrigatório, adultos também têm direito a essas etapas de ensino.
O jardim de infância norueguês, por sua vez, é um serviço educacional voluntário para crianças abaixo da idade escolar. Todas têm direito a uma vaga disponível no município de origem a partir de um ano de idade, mas podem começar a frequentar em diferentes idades. Atualmente, 95% das crianças em idade entre 4 e 5 anos estão na pré-escola.
O sistema escolar norueguês pode ser dividido em três partes: escola primária (barneskole, entre 6 e13 anos), escola secundária inferior (ungdomsskole, entre 13 e 16 anos) e escola secundária superior (videregående skole, entre 16 e 19 anos). Nos dois primeiros, os alunos têm um currículo compartilhado. No último, existe maior liberdade de escolha. Tal como em outros países da Europa, como Itália e Alemanha, o ensino secundário-superior é dividido em “tracks”, que são diferentes percursos desse momento da aprendizagem, e estão para ser introduzidos no Brasil com a reforma do ensino médio de 2017.
Antes de 1994 havia na Noruega três sistemas separados: estudos gerais (língua, história etc.), mercantis (contabilidade etc.) e técnicos (eletrônica carpintaria, etc.). Ele foram fundidos em um único sistema para que todos tivessem uma quantidade de estudos gerais grande suficiente para torná-los elegíveis ao ensino superior, ainda que certa divisão permanecesse. Em 2006, nova reforma estabeleceu dois “tracks”, um de estudos gerais e outro de ensino técnico, mas, dentro esses ramos principais, existem muitos sub caminhos a seguir.
O sistema educacional universitário é geralmente apoiado pelo estado, para garantir que o acesso à educação seja igual para todos, de modo que a maioria das instituições não cobra taxas de ensino. Há uma agência, chamada Lannekassen, que oferece empréstimos e bolsas para estudantes do ensino superior por oito anos. Todos os programas de estudo em universidades norueguesas e faculdades públicas são aprovados para empréstimos e bolsas, assim como a maioria das faculdades universitárias privadas, como BI. A bolsa mínima equivale a cerca de R$ 1.000 mensais (já ajustado pela diferença de preços), mas pode chegar a R$ 1.800 para estudantes de baixa renda.
Com todos esses incentivos, a Noruega acaba tendo grande número matrículas em todos os níveis de seus institutos de ensino. No ensino básico, elas correspondem a mais de 100% da população. No ensino superior, tal proporção é cerca de 80% (frente a menos de 50% no Brasil). No entanto, em termos de anos esperados de estudo da população entre 2 e 29 anos, a Noruega fica com 18,1 anos, na 10ª posição, atrás de países como Austrália, Suécia, Finlândia e Dinamarca (o Brasil, com 15,4 anos, fica em 45º lugar).
Gasto com educação
Os noruegueses são campeões em gasto com educação. Mesmo com um dos maiores PIB per capita do mundo e com uma população jovem em declínio, o país investe 8% do PIB em ensino, muito acima da média mundial e dos países desenvolvidos (o Brasil, que já gasta um percentual relativamente alto, está em 6,2%). Uma das principais razões é a baixa razão de alunos por professor, de 9 no ensino fundamental, atrás apenas de pequenos países, como Luxemburgo, San Marino e Liechtenstein.
Já o gasto por aluno em relação ao PIB per capita da Noruega é especialmente elevado no ensino superior. As principais razões para esse destaque é o alto percentual de alunos em instituições gratuitas (em grande parte dos países desenvolvidos, os alunos arcam com pelo menos parte dos estudos mesmo nas instituições públicas) e com bolsas de estudo relativamente generosas.
Não é de se esperar que a infraestrutura de todas as escolas norueguesas seja impecável. O setor público é empenhado em dar condições equitativas e de qualidade a todas as crianças. Há mais dez anos, por exemplo, a totalidade dos colégios de ensino fundamental e médio na Noruega tem acesso à internet, frente a 62% e 83%, respectivamente, no Brasil. Em instituições de ensino médio-superior e universidades, estudantes costumam ganhar bons laptops por uma pequena taxa.
Qualidade da educação
Todo esse investimento contribuiu para que a Noruega tenha um bom desempenho no PISA, o teste internacional que avalia a qualidade do ensino de diversos países.
A preocupação em garantir uma boa qualidade da educação para todos os estudantes, independentemente das condições familiares, é grande e crescente na Noruega. Cada vez mais recursos são dedicados para que famílias em desvantagem social possam se equiparar àquelas mais bem posicionadas. Em 2006, os adolescentes filhos de pais sem ensino superior tinham um desempenho 11% inferior aos daqueles cujos pais tinham concluído o ensino superior – um pouco mais até que o Brasil na época, de 10,5%. Em 2018, essa diferença já havia caído para 7,7% e 8,3%, respectivamente. Ou seja, entre os noruegueses, a distância entre alunos de alto e baixo histórico familiar de ensino foi reduzido em 3,4 pontos percentuais, enquanto entre brasileiros a queda foi de 2,2 pontos percentuais.
Como se vê, a educação é um fator pelo qual os noruegueses buscam tornar a sociedade mais equitativa. Com sucesso. Além da qualidade geral do sistema educacional, a Noruega tem como política a garantia de acesso à educação sem custos (sendo inclusive financiada na universidade) para a grande maioria da população. Tudo isso custa. A Noruega é o país do mundo que mais gasta com educação.
Valorização do professor
No Brasil, muitos afirmam que a educação não tem qualidade devido à falta de valorização dos professores. Como a Noruega tem uma das melhores redes de ensino e o maior gasto em relação ao PIB, é válido comparar como são as remunerações desses profissionais em ambos os países.
A tabela abaixo compara a remuneração bruta dos professores nos dois países, por nível de ensino e por tipo rede educacional (setor privado, governo federal, governos locais). É necessário observar dois fatores: (1) como os sistemas de ensino são diferentes, os níveis entre os países não são perfeitamente comparáveis, especialmente o ensino profissionalizante; (2) ao fazer a comparação da remuneração com a média salarial dos profissionais com ensino superior, é preciso levar em consideração que, na Noruega, esse tipo de formação é requisito mínimo para ensinar, enquanto no Brasil, em algumas situações, há professores sem tal diploma.
Como se vê acima, o governo brasileiro paga mais aos professores do ensino superior do que a Noruega. No que diz respeito ao ensino básico, a situação se inverte: os noruegueses recebem mais e o salários são parecidos com os do ensino superior. As diferenças entre o Brasil e a Noruega ficam evidentes também nos ensinos fundamental e infantil.
Há de fato um percurso que o Brasil deve seguir em direção à valorização de seus profissionais do ensino básico. No entanto, no ensino superior, o setor público brasileiro paga melhor do que a Noruega, a despeito de a Noruega ser um país muito mais rico e investir mais na educação do que o Brasil.