A grande maioria dos brasileiros depende dos serviços públicos para garantir a segurança, educar os filhos e cuidar da saúde. No caso da segurança, a conta da ineficiência do serviço prestado pelo Estado é paga com vidas. A desigualdade social e a violência só vão acabar quando o bom funcionário público tiver sua carreira valorizada e os governantes meios legais para demitir servidores incompetentes, que apenas defendem privilégios e colaboram para a perpetuação da desigualdade no Brasil.
O motim dos policiais no Ceará é mais um sinal evidente de que o Brasil precisa aprovar a reforma administrativa. O atual sistema de carreiras do setor público contribui para aprofundar o espírito corporativista e a má qualidade do serviço público. No caso da segurança, a conta da ineficiência é paga principalmente com a vida de mulheres e jovens assassinados no Ceará numa proporção somente vista em zonas de guerra, como é o caso da Síria.
Apesar de os indicadores de morte por assassinato terem caído no Brasil – a média brasileira – 31,6 pessoas por 100.000 habitantes –, o Ceará foi o estado recordista em aumento da taxa de homicídio no Brasil. Segundo os dados do Atlas da Violência publicado pelo IPEA; saltou de 40,6 em 2016 para 60,2 mortes por 100 mil habitantes em 2017.
Novas rotas do tráfico aumentam violência
O estudo mostra que o crescimento se deu notadamente por causa de novas rotas do tráfico de drogas. A produção de drogas na Bolívia e Peru é escoada pelo Ceará (e outros estados do Norte, como o Acre) antes de ser distribuída para os mercados globais.
Ao se tornar um novo polo do tráfico de drogas, o Ceará transformou-se também no campo de batalha das principais facções criminosas do país. O Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), assim como o Bonde dos 13, travam uma verdadeira guerra pela disputa do comércio de drogas.
Portanto, o motim de policiais encapuzados no estado retrata não só a incompetência da polícia de zelar pela segurança pública, como também o seu destemor para desafiar a lei e a ordem para reivindicar seus interesses corporativistas.
Má qualidade do serviço público expõe população ao risco
Num país onde a grande maioria dos brasileiros depende unicamente dos serviços públicos para garantir a segurança, educar seus filhos e cuidar de sua saúde, a má qualidade dos serviços prestados pelo Estado colabora para o aumento da desigualdade social.
Jovens e mulheres pobres pertencem ao maior grupo de risco de serem assassinatos antes de completar 25 anos. Aqueles que sobrevivem, provavelmente terão recebido uma educação pública de má qualidade, o que limita suas possibilidades de conquistar bons empregos, empreender e ascender socialmente.
Portanto, melhorar a qualidade do serviço público é uma tarefa fundamental para reduzir a desigualdade no país.
Reforma Administrativa é imprescindível
A reforma administrativa é uma medida imprescindível para redesenhar o sistema de carreiras do funcionalismo público e melhorar a qualidade do serviço prestado pelo Estado na segurança, saúde e educação.
Primeiro, a reforma determina critérios claros de avaliação de desempenho dos servidores públicos; uma medida que conta com o apoio de 91% da população, segundo pesquisa do Datafolha. Esse apoio unânime reflete o desejo dos brasileiros de ver os agentes públicos cumprindo o seu dever: policiais garantindo a segurança pública; professores ensinando o conteúdo esperado aos jovens e crianças de acordo com a idade e série escolar; médicos atendendo os seus pacientes nos hospitais e ambulatórios públicos com a mesma presteza e eficiência que demonstram em consultas particulares.
Segundo, a reforma administrativa foi concebida para valorizar os bons funcionários públicos. O objetivo é criar um sistema de progressão na carreira que permita a ascensão dos melhores servidores e estabelecer critérios para remunerá-los melhor.
O Brasil só conseguirá acabar com a epidemia da violência, a péssima qualidade do ensino e as filas no atendimento médico nos hospitais públicos quando a carreira pública valorizar o desempenho dos bons servidores e dar aos governantes meios legais para demitir funcionários incompetentes que transformaram o serviço público num bastião de defesa de privilégios que colabora para a perpetuação da desigualdade no Brasil.
Na próximasexta-feira
ENTREVISTA COM ANA CARLA ABRÃO sobre a reforma administrativa