Metade da população brasileira não pode ficar na mão de empresas estatais historicamente ineficientes e permanecer mais 30 anos sem acesso a esgoto. O Congresso deve manter o veto ao artigo que perpetua a ineficiência das estatais.
O Brasil precisa de saneamento já. Não há tempo para se desperdiçar com as estatais ineficientes que, nas últimas décadas, foram incapazes de prover um serviço básico para a população. O setor precisa ser aberto o quanto antes à competição e aos investimentos privados. Portanto, não faz sentido estender o prazo dos contratos atuais por até 30 anos, favorecendo as antigas empresas públicas. Essa possibilidade precisa ser derrubada do novo marco legal do saneamento. O Congresso deve manter o veto ao artigo que perpetua a ineficiência.
No texto do Novo Marco do Saneamento, aprovado em julho, o artigo 16 abre a possibilidade de as atuais companhias públicas continuarem operando por mais 30 anos, renovando os contratos sem a necessidade de licitações ou de concorrência pública. Esse artigo foi um dos vetados pelo presidente Jair Bolsonaro, quando sancionou o Projeto de Lei 4162/2019. Trata-se de uma decisão acertada, feita sob a orientação do Ministério da Economia.
O tema deverá ser analisado hoje, em sessão conjunta do Congresso para a análise de vetos feitos pela Presidência nos últimos meses. O veto ao Artigo 16 é fundamental para acelerar a transformação do setor de saneamento básico no país. Se ele não for mantido, é improvável que seja cumprida a meta – agora estipulada em lei – de universalizar os serviços de água tratada e coleta de esgoto até 2033.
O Brasil investe pouco em infraestrutura e, de todos os setores de infraestrutura, o mais atrasado é o saneamento. O total aplicado anualmente na expansão das redes de água e esgoto precisa pelo menos dobrar para atender às necessidades mínimas de acesso da população.
Mais de 100 milhões de brasileiros vivem em residências sem esgoto adequado e 35 milhões não possuem acesso a água tratada. No ritmo atual, a universalização ocorrerá apenas depois de 2060.
Preservar o privilégio das estatais de saneamento significa adiar investimentos. Essas empresas, em sua maioria, já demonstraram que não possuem nem capacidade financeira nem técnica para realizar as obras necessárias. São cabides de emprego usados para acomodar nomeações políticas. Para comprovar isso, basta comparar os números das estatais com os das poucas companhias privadas que atuam no saneamento.
A maioria delas despende mais com a folha de funcionários do que com os investimentos em manutenção e expansão da rede de água e esgoto. A remuneração média de alguém empregado numa estatal é 2,4 vezes a de seu colega que bate o ponto em uma empresa semelhante no setor privado.
Uma estimativa do Ministério da Economia indica que teriam sido poupados R$ 78 bilhões, caso os salários dos funcionários das companhias públicas fossem semelhantes aos do setor privado.
Um atestado da ineficiência delas é que praticamente 60% das obras de infraestrutura autorizadas, para as quais já haviam sido destinados recursos públicos, são obras de saneamento que estão paradas. Motivo? Quase sempre, incapacidade de estruturar um projeto básico — seja por falta de competência ou por má fé. Não surpreende, portanto, a pressão política para que seja postergada a abertura à competição.
Nos setores de telefonia e de energia elétrica, os serviços já foram universalizados há muito tempo. Foi uma consequência da abertura dos anos 1990, com privatização das estatais e a atração de grandes competidores internacionais. O mesmo pode ocorrer agora no saneamento.
Um exemplo pode ser visto em Alagoas. O estado abriu o processo de concessão ao setor privado dos serviços de saneamento na região metropolitana de Maceió. Sete empresas demonstraram interesse e apresentaram propostas. O leilão foi estruturado pelo BNDES e vencido pela BRK com oferta de R$ 2 bilhões. É a primeira após aprovação do Novo Marco.
A estimativa dos investimentos necessários para cumprir a meta de universalização é de R$ 400 a R$ 750 bilhões. São recursos preciosos, que vão colaborar para a criação de empregos e o aumento da produtividade na economia. Mais importante: vão dar fim à péssima qualidade da água e do esgoto, causa de milhares de mortes a cada ano e perdas de dias de trabalho por causa de diarreias e outras doenças que deveriam ser raras, e não algo corriqueiro, no Brasil do século 21.
As nações mais avançadas universalizaram o saneamento no século 19. O Brasil preservará esse atraso de dois séculos? É isso que estará em jogo quando a Câmara analisar o veto ao artigo 16 do Novo Marco do Saneamento. O veto precisa ser mantido pelo Congresso. O Brasil precisa de saneamento universalizado já, não daqui a 30 ou 40 anos.