A inoperância política do governo emperrou a aprovação da nova lei do gás. Discutida há anos e aprovada em setembro na Câmara, o texto sofreu alterações significativas no Senado, e terá que ser novamente apreciado pelos deputados. Dificilmente em 2020. É motivo de lamento. Além de destravar investimentos e gerar milhões de empregos, a lei do gás traz enormes ganhos de competitividade e incentiva a utilização de uma fonte de energia mais limpa.
Reformas adiadas, privatizações postergadas. Essa tem sido a regra dos últimos dois anos. Com raras ações, pouquíssimo se avançou na agenda dos projetos essenciais para a retomada do crescimento econômico. Mesmo no caso de leis aprovadas, como na reforma previdenciária e no marco legal do saneamento básico, ainda restam indefinições. Esse é o resultado da falta de articulação política, além da incapacidade do governo de eleger prioridades claras e apresentar um conjunto coeso de iniciativas destinadas a destravar os investimentos produtivos.
A mais recente vítima dessa desarticulação foi a
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Transição verde
O gás natural tem um papel relevante também na transição para uma economia de baixo carbono e, por isso, o seu uso precisa ser incentivado. O Brasil tem hoje uma das tarifas mais caras do mundo, o que acaba levando muitas indústrias a optar por alternativas mais econômicas, embora mais poluentes, como lenha, óleo e carvão.
No Brasil, o setor de gás natural, apesar da descoberta de jazidas promissoras no litoral brasileiro, peca pela falta de competição entre as empresas fornecedoras e também pela carência de investimentos na ampliação da rede distribuidora. O resultado tem sido oferta limitada e preços elevados. A indústria brasileira paga o triplo do que a americana e quase o dobro do que boa parte dos países europeus.
Para o gás ser competitivo e se transformar em uma alternativa de fato viável, o seu preço precisa cair pela metade no Brasil. É isso o que indica a análise Panoramas e Perspectivas para o Gás Natural no Brasil, do instituto E+ Transição Energética, e também o estudo Impactos Econômicos da Competitividade do Gás Natural, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Competitividade
A prioridade do projeto que tramita no Congresso é incentivar a competição. Apesar de o mercado não ser fechado a outros competidores, é muito difícil concorrer com a Petrobras: a estatal controla praticamente 100% da importação e 80% da produção nacional. Falta também segurança jurídica para que empresas privadas, nacionais e estrangeiras, realizem os investimentos necessários para ampliar a rede de distribuição. Sem isso, o mercado continuará sendo controlado por poucos.
Com o novo marco, haverá uma desburocratização dos investimentos na infraestrutura: bastará uma autorização para realizar os projetos, deixando de existir a necessidade de as empresas participarem de leilões públicos para disputar uma concessão.
Chegará ao fim o mercado cativo das distribuidoras: os consumidores poderão comprar o gás de quem lhes oferecer as melhores condições. As distribuidoras cuidarão do transporte (gasodutos), mas não da oferta do combustível. Ganha a competição.
De acordo com o estudo do instituto E+, se o novo marco de fato induzir uma queda expressiva nos preços do gás, haverá condições para um significativo aumento de seu consumo na indústria. Ainda segundo a análise, deverá ocorrer uma substituição parcial do diesel no transporte de carga. Hoje a tarifa média para os consumidores industriais é de US$ 14 por milhão de BTU (unidade térmica britânica, na sigla em inglês). Com mais competição e investimentos, a tarifa poderá ser reduzida para valores entre US$ 5 e US$ 7 por BTU. A substituição do diesel no transporte de carga também diminuirá a dependência do combustível importado e poderá reduzir as emissões de CO2 em 15%.
A lei do gás, portanto, trará enormes ganhos para a economia. Deverá aumentar a competitividade da indústria e incentivar a utilização de uma fonte de energia mais limpa. Estima-se também que a nova lei vai destravar investimentos planejados para a expansão dos gasodutos e outras instalações, num valor total de R$ 60 bilhões nos próximos cinco anos, e gerará 4 milhões de empregos. Haveria, portanto, razões de sobra para alcançar um consenso político e aprovar o projeto, não fosse a inoperância política do governo.