O país vizinho, parceiro comercial inevitável do Brasil, tem futuro econômico incerto. Isso impacta a economia brasileira.
Alberto Fernández, presidente eleito da Argentina, abandonou o tom de cordialidade com Mauricio Macri, que ele derrotou nas urnas em outubro. Os analistas comparam a missão imediata de Fernández a desativar uma bomba relógio, algo tão arriscado que ele já prepara o terreno político para um eventual fracasso, recorrendo à conhecida estratégia dos incompetentes, colocar a culpa em uma “herança maldita.”
“Mesmo que faltem apenas 10 minutos de governo, parem com a mentira”, declarou em visita ao México. Fernández referia-se ao nível atual das reservas cambiais, que o governo Macri afirma serem bem maiores do que aquele que recebeu de Cristina Kirchner em 2015. Fernández era chefe de gabinete de Cristina, hoje sua vice-presidente. A Argentina tem reservas de 42 bilhões de dólares e as dívidas a vencer no próximo ano chegam a cerca de 80% desse valor.
A estabilidade política e a saúde econômica da Argentina tem grande impacto no Brasil. Em 2017, o país vizinho era o terceiro maior destino de nossas exportações.
Dívida impagável
A partir de 10 de dezembro, quando assume o cargo, Fernández terá de encarar os pagamentos de títulos da dívida externa, cujo total chega a 108 bilhões de dólares. Os títulos mais pesados são o Bonar 20, de 10 bilhões de dólares e o Bonar 24, de 16 bilhões de dólares. Caso não consiga esticar os prazos, a dívida contraída junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) vai complicar ainda mais os desembolsos em dólares exigidos do novo governo.
Moratória
O acordo proposto pelo FMI, que emprestaria à Argentina US$ 57 bilhões, foi considerado por Fernández de “impossível de cumprir”. Para não declarar moratória unilateral, o que restringiria ainda mais as fontes de crédito para o país, a administração Macri decretou às pressas o “corrallito”, o regime vexatório de controle de compra de dólares, que já se abateu sobre a população muitas outras vezes no passado. De 10 000 dólares mensais, o limite de compras de dólares pelos cidadãos caiu para meros 200 dólares. “Não há nenhuma outra forma de conseguirmos dólares senão exportar mais produtos”, disse o presidente eleito.
Balança
O Brasil não é imune aos sofrimentos do vizinho. A crise argentina já pode ter nos custado 0,5% a menos de crescimento no Produto Interno Bruto brasileiro. Nos dois primeiros meses de 2019, as exportações brasileiras de produtos industrializados tiveram queda de 11,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Um tropeço. Quando se examinam os números em relação apenas à Argentina, revela-se o quanto dependemos da saúde econômica do vizinho. Entre janeiro e fevereiro de 2019, o Brasil exportou 1,4 bilhão de dólares em bens industriais. No mesmo período do ano anterior, esse valor chegou a 2,48 bilhões. Queda de 42,5%. Isso impacta diretamente os empregos nos setores de mão de obra mais qualificada do parque exportador industrial brasileiro.
Receita uruguaia
Apesar de terem reagido em pânico, com venda em massa de ativos no mês de agosto, quando ficou evidente que o governo de Macri perderia as eleições, investidores deram uma trégua.
Antes mesmo de ser eleito, Fernández assegurou que cumpriria os compromissos financeiros assumidos pelo governo Macri. Ele citou o “exemplo uruguaio”. Em 2003, afetado por mais uma crise na própria Argentina, o Uruguai conseguiu esticar os prazos de sua dívida e aumentou impostos. “O que não queremos é chutar a bola para mais adiante”, disse Fernández. Governos peronistas que começam com os pés no chão na economia são novidade. Governos peronistas que acenam com aumento de impostos, então, é coisa inédita. Mas para um país onde já se disse, com acerto, que “nunca tantos fizeram tão pouco com tanto”, talvez até acertar uma vez seja possível.