As empresas públicas representam o obstáculo mais difícil de ser superado para a universalização do saneamento no Brasil: o corporativo e ideológico. Responsáveis pelo atendimento de mais de 70% das cidades do País, a maior parte delas gasta mais com a folha de funcionários do que com investimentos e é contrária à transparência e à concorrência do setor privado.
As empresas públicas estaduais estão trabalhando contra a aprovação do novo marco do saneamento, que será votado amanhã. Não é surpresa. Elas estão entre as grandes interessadas na manutenção do quadro atual de ineficiência, desperdício e baixa qualidade de serviço.
Uma maneira de observar a baixa produtividade das estatais de saneamento é comparar seus números com os indicadores das suas similares administradas pelo setor privado. Entre 2007 e 2018, o salário médio das estatais aumentou 150%. Nesse mesmo período, o rendimento médio dos funcionários do setor privado, aumentou bem menos, 100%. O rendimento médio de alguém empregado numa estatal é 2,4 vezes o de seu colega que bate o ponto no setor privado.
Note-se o fato óbvio de que, apesar da disparidade nos contracheques, os executivos e empregados recebem seu dinheiro para executar funções análogas. O Ministério da Economia fez as contas e concluiu que poderiam ser poupados R$ 78 bilhões de reais nesse período se as estatais pagassem para os seus colaboradores valores semelhantes aos desembolsados no setor privado.
Tome-se o caso da Caema, no Maranhão. Entre 2013 e 2017, a despesa com a folha de salários aumentou 250%, enquanto o total aplicado nos investimentos ficou estagnado. Os seus gastos com os empregados equivalem ao triplo daquilo aplicado em obras de saneamento.
Longe de ser um caso isolado, o exemplo maranhense tem se repetido em muitos outros estados. Estudos indicam que os reajustes nas tarifas foram usados para ampliar a despesa com empregados, e não com os investimentos necessários.
O novo marco do saneamento básico traz a oportunidade de atrair investidores para o setor e acirrar a concorrência, expondo à luz do sol a ineficiência dessas das estatais, responsáveis pelo abastecimento de nove a cada dez residências no país.
Existe dinheiro, faltam competência e empenho
A ineficiência pública é tamanha que, ao contrário do que se possa imaginar, há recursos disponíveis para acelerar os investimentos em saneamento. São bilhões de reais parados na Caixa Econômica Federal e no BNDES que poderiam estar financiando projetos essenciais de água e esgoto, mas não são utilizados por causa da incompetência técnica e falta de empenho dos governantes e de suas estatais. As dificuldades começam logo no início, de acordo com os especialistas. Os projetos apresentados são malfeitos e não atendem aos requisitos técnicos. Resultado: obras emergenciais acabam nunca saindo do papel, mesmo havendo o financiamento necessário.
Mesmo quando o dinheiro é liberado, entretanto, os projetos nem sempre vão adiante. Praticamente metade dos projetos financiados com recursos federais estão paralisados. E qual a razão? Em boa parte dos casos, são selecionados prestadores de serviços incapazes de executar o projeto e abandonam o canteiro de obras. O objetivo, afinal de contas, nunca havia sido concluir a construção no prazo estipulado.
A universalização do saneamento básico só será possível com a superação de três obstáculos. O primeiro é regulatório –que, espera-se, será eliminado com a nova legislação a ser aprovada pelo Congresso. O segundo é de ordem técnica, que, com a abertura do mercado e o incentivo à competição, também poderá ser reduzido em breve. O obstáculo mais difícil de ser superado é o corporativo e ideológico, representado pela turma contrária à transparência e à concorrência do setor privado. É essa a barreira que tem condenado 100 milhões de brasileiros a sofrer diariamente as consequências financeiras e sanitárias de viver sem o direito básico da coleta de esgoto.