Os novos presidentes do Congresso devem jogar a favor da agenda de reformas. Pelo menos é o que se espera tendo em vista o histórico de votação dos candidatos. É um ponto de partida positivo, mas não suficiente. O ritmo da tramitação das matérias estará sujeito aos efeitos da pandemia e ao embate político, sobretudo quando ganha força a pressão pela abertura de um processo de impeachment do presidente Bolsonaro. Mais do que nunca, sociedade civil, prefeitos e governadores deverão exercer pressão constante em defesa das reformas administrativa e tributária. Sem elas não será possível atrair investimentos necessários para a retomada da renda e do emprego.
O colapso da economia e crise social deveriam ser razão de sobra para mobilizar o governo e o Congresso ao redor de consensos mínimos para superar as dificuldades. Não é isso o que se viu em 2020, a despeito de exceções pontais. As eleições na Câmara e no Senado são oportunidade para uma reconfiguração de forças em direção a uma maior coordenação política para tratar das questões relevantes ao futuro do País. O ambiente político, contudo, permanece conflagrado e tóxico, ainda mais quando um populista incendiário ocupa a principal cadeira da Nação. Os congressistas reformistas terão que trabalhar ao lado da sociedade civil para superar divergências pontuais e aprovarem as reformas capazes de atrair os investimentos necessário à retomada do crescimento econômico.
Foi no governo transitório de Michel Temer, após anos de paralisia no governo de Dilma Rousseff, que o Congresso assumiu um perfil mais reformista. Foram aprovadas as novas regras trabalhistas e a lei do teto para os gastos públicos. Foi o governo Temer, também, que lançou as bases da reforma previdenciária sancionada durante o governo Bolsonaro.
Mais recentemente, legislações de alto impacto social e econômico avançaram, depois de anos dormindo nas gavetas do Congresso. Houve a aprovação do novo marco do saneamento e caminharam matérias como o novo marco do gás natural e a autonomia do Banco Central. Outras reformas prioritárias, contudo, enfrentam maior resistência. O avanço das pautas menos consensuais, como a reforma administrativa, fica ainda mais prejudicado pela desarticulação política e sabotagem de Bolsonaro. O presidente se abstém das dores políticas de liderar reformas estruturantes, cria barreiras e inflama dissensões. É o contrário do que se esperaria de um verdadeiro líder. Tem sido assim, por exemplo, nas discussões da reforma tributária e nas propostas de reformulação dos programas sociais.
Os candidatos e as reformas
Há três inciativas essenciais para serem encaminhadas nos próximos meses, analisadas na reportagem do Virtù ’Rossi e Lira: um teto e duas reformas’. A primeira delas é manutenção do teto de gastos e a aprovação da PEC Emergencial. Trata-se de uma agenda de curtíssimo prazo para limitar o avanço das despesas e adequar o orçamento às necessidades da pandemia e às limitações das finanças públicas. As outras duas iniciativas deveriam ser a aprovação das reformas tributária e administrativa, ambas vitais para o crescimento da economia e aumento da produtividade.
Na Câmara, a disputa é entre Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira (PP-AL). Ambos têm um histórico de voto a favor das principais reformas aprovadas nos últimos anos. Também defendem, com algumas divergências pontuais, a aprovação das reformas tributária e administrativa. Lira é apoiado pelo governo e, se ele for o vitorioso, deverá ressurgir com força o fantasma da CPMF, o famigerado imposto do cheque que o ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste em defender. As sondagens mais recentes apontam para o favoritismo de Lira.
Na briga pelo Senado, desponta como favorito Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também apoiado pelo governo. A sua adversária é Simone Tebet (MDB-MS). Assim como ocorre com Lira e Rossi, Tebet e Pacheco possuem um retrospecto de votar a favor de reformas econômicas. Ambos apoiaram, por exemplo, a lei que dá autonomia do Banco Central, projeto que passou no Senado e aguarda apreciação da Câmara. Deram também o aval para a reforma previdenciária, a nova lei do gás natural e o marco legal do saneamento básico.
Tanto Tebet como Pacheco são defensores da reforma tributária. “É a mãe de todas as reformas”, já declarou a senadora. “A reforma tributária é essencial para o desenvolvimento econômico”, disse o senador.
Reforma administrativa
Assim como ocorre entre os candidatos na Câmara, ainda não há consenso sobre a reforma administrativa entre os postulantes ao comando do Senado. Ambos a defendem, mas sem a convicção de que ela deve ser feita já e valer para todos os servidores. Simone Tebet declarou que os servidores não podem ser vistos como “vilões”. “Corte de direitos não é salvação”, afirmou ela. Até onde se sabe, a reforma apenas revê certos privilégios extemporâneos e cria incentivos para as promoções baseadas no mérito e na produtividade, e não meramente no tempo de serviço.
Nem mesmo alguns dos parlamentares de perfil reformista parecem ter comprado plenamente a urgência da reforma administrativa, ou se esquivam dela para evitar o desgaste político. A pandemia, contudo, escancarou a urgência de aprimorar a gestão pública, fazendo-a mais efetiva e menos onerosa ao bolso dos brasileiros. A sociedade civil, por meio de movimentos como o Unidos pelo Brasil e ao lado de iniciativas como a Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, terá de exercer pressão constante. Seria saudável que prefeitos e governadores também saíssem em defesa da reforma, porque são eles os responsáveis diretos pela prestação de serviços essenciais à população, como saúde e educação, e têm todo o interesse em aprimorar a qualidade de suas gestões.
Teto de gastos
Na última semana, declarações de Lira e Pacheco sobre os gastos públicos causaram ruído no mercado financeiro. Os dois candidatos do governo sinalizaram que poderia haver flexibilização do teto para acomodar o aumento de despesas com a extensão do auxílio emergencial. “Teto de gastos não pode ficar intocado”, disse Pacheco. Investidores torceram o nariz: a bolsa caiu e o dólar subiu. Lira afirmou, também na semana passada, que o teto é “intocado”, mas que será necessário encontrar espaço para ampliar os gastos por causa da pandemia. Ficou no ar como isso será feito.
A pressão por aumento de gastos será enorme. Ainda na semana passada, 18 secretários estaduais da Fazenda encaminharam carta conjunta ao Congresso reivindicando que o auxílio emergencial e o orçamento de guerra sejam prorrogados por seis meses. Para o governo federal, isso representa ampliar despesas e abrir mão de receitas, como a obtida pelo pagamento das dívidas estaduais. Em outras palavras, significa relaxar o teto por mais seis meses, com impacto direto na dívida pública. Diante da crise, pode ser inevitável estender essas políticas. Mas como isso seria feito é um ponto de interrogação.
Retomada requer reformas
A vacinação contra o coronavírus começou a ser feita. Felizmente. Espera-se que a retomada da economia ganhe força no decorrer ano, mas isso só ocorrerá se forem aprovadas reformas que afastem os riscos econômicos e atraiam o investimento privado. Não dá pra contar com o presidente. Bolsonaro continuará a alimentar polêmicas estéreis para desviar a atenção e escamotear a absoluta incompetência de seu governo. O Congresso terá que ser o adulto na sala. Senado e Câmara deverão manter as reformas em pauta e empurrar Bolsonaro contra a parede sempre que for preciso.
As candidaturas à presidência na Câmara e no Senado apontam para a manutenção da onda reformista. É um alento para a desarticulação causada pela pandemia e pela incompetência de Jair Bolsonaro. Mas há risco de paralisia. Sobretudo se o governo e sua base no Congresso optarem pela saída populista da sobrevivência política a qualquer preço, abrindo os cofres para comprar apoio e saciar corporações. Espera-se que os novos presidentes da Câmara e do Senado não virem as costas para o País.