O pacote anticrime do Ministro Sergio Moro não terá vida fácil no Congresso.
Um pouco de cultura. Do latim, direto de Horácio, “parturiunt montes, nascetur ridiculus mus.” Traduzindo: “A montanha pariu um rato.” Assim, na segunda-feira, dia 24 de Junho, Sergio Moro, ministro da Justiça e ex-juiz federal resumiu pelo Twitter os efeitos dos vazamentos de suas conversas com procuradores da Operação Lava-Jato. As conversas, travadas pelo aplicativo russo de mensagens, Telegram, foram desviadas por hackers, intrusos digitais, a quem Moro qualificou como integrantes de “um esquema criminoso.”
Moro se socorreu das Epístolas do romano Horácio para comemorar resultado prático pífio, até agora, do que parecia ser uma bala de prata capaz de apeá-lo do Ministério da Justiça e tisnar a imagem de imparcialidade da Lava Jato. Por enquanto, a montanha pariu um rato. Mas é bom lembrar que a política movida a hackers é ainda mais imprevisível e, um pouco de cultura, Horácio nas mesmas Epístolas, cutuca aqueles que “tendo olhos de águia para os erros alheios são cegos para os seus próprios erros.”
Operação Lava-Jato não pode parar
É quase consensual que a Operação Lava-Jato não pode, nem deve parar. Ela anda independentemente de Moro. É provável, porém, que o rato parido pela montanha dos vazamentos atrapalhe o andamento do “pacote anticrime” mandado por Moro ao Congresso. O pacote, por enquanto, rasteja à sombra da Reforma da Previdência. Uma vez que a Nova Previdência se torne uma realidade legislativa é esperado que o foco das atenções da opinião se concentre no pacote anticrime de Moro.
Vida dura no Congresso
Mesmo antes da divulgação das conversas do então juiz Moro com os procuradores, o pacote anticrime não teria vida fácil no Congresso. Para muita gente, as leis atuais já são forte o suficiente para combater o crime — bastaria que elas fossem obedecidas. A premissa do pacote de Moro aponta no sentido contrário. Ou seja, seria preciso dotar os agentes do Estado de instrumentos legais ainda mais fortes, sem os quais as organizações criminosas continuarão agindo com desevoltura no Brasil.
Quem tem razão? Os que, concordando com Moro, querem leis mais fortes? Ou aqueles que acreditam serem suficientes os atuais arsenais legais de combate ao crime, bastando que sejam usados?
Com a palavra, os senhores parlamentares. Eles definirão as feições finais do Pacote de Moro.
Um lado e outro terão que se defrontar com a questão principal levantada pela atuação da Lava-Jato até aqui. Ela poderia ser resumida da seguinte forma binária, para a satisfação dos debatedores das redes sociais:
A favor de Moro: “A luta contra a corrupção e o crime organizado no Brasil desenvolvida pela Lava-Jato é tão essencial que eventuais desvios das normas legais e constitucionais por parte de seus agentes precisam ser tolerados.”
Contra Moro: “Atuar sem apego às leis e peitar a Constituição com o objetivo de combater a corrupção equivale a tentar apagar gasolina com fogo e enfraquece o marco regulatório.”
Não existem respostas fáceis para esse dilema
Um exemplo: a Constituição Brasileira de 1988 veda a prisão após condenação em segunda instância e prevê que a pena só pode começar a ser cumprida quando esgotados todos os recursos legais em favor do apenado, pois “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Dezenas de milhares de brasileiros anônimos e pelo menos um de alta notoriedade, o ex-presidente Lula, estão presos, em aparente afronta ao texto constitucional, sem que todos os recursos a favor deles tenham se esgotado.
Como isso é possível? Isso é possível por que a corte constitucional brasileira, o STF, decidiu que decisões em segunda instância satisfazem o famoso preceito o “trânsito em julgado”. Todas as decisões em segunda instância? Em tese, sim. Mas, como o Brasil assiste ao vivo pela TV Justiça, são comuns as contestações junto ao STF de advogados de condenados em segunda instância buscando a soltura de seus representados por não aceitarem a tese prevalente de que aquela fase satisfaz mesmo o preceito do “trânsito em julgado.”
O Pacote anticrime de Moro reafirma a legalidade da prisão depois de condenação em segunda instância. Começam nesse ponto as dificuldades para sua aprovação. Seja qual for a decisão dos parlamentares sobre essa questão, ela não altera em nada as romarias contestatórias de sua constitucionalidade junto ao STF.
Para especialistas há ao menos outros dois pontos que, mesmo sendo infraconstitucionais, vão mexer fundo com as convicções civilistas dos parlamentares e da opinião pública.
O whistleblower e a criminalização do Caixa 2
O primeiro é a entronização do serviço público do “informante anônimo”, o “whistleblower”, como é conhecida nos Estados Unidos a figura do alcaguete, o agente da lei infiltrado em uma organização criminosa. Muitas empresas aceitam denunciantes anônimos com sigilo protegido. Mas não será um passeio criar esse mecanismo de denúncia anônima premiada no aparelho estatal brasileiro, mesmo que a experiência tenha sido bem sucedida nos Estados Unidos.
A experiência de outros países que adotam o whistleblower, especialmente com a possibilidade de incentivo ao denunciante proporcionalmente ao valor recuperado, mostra que ele é um poderoso instrumento. | Michael Mohallem, professor de Direito da FGV-Rio
O segundo ponto é a criminalização definitiva do Caixa 2, o uso de recursos “não contabilizados” em qualquer fase das campanhas eleitorais. Tanto quanto a instituição no serviço público da figura do “alcaguete caçador de de recompensas”, a retirada dos suspeitos de uso de Caixa 2 do âmbito da legislação eleitoral tem, em tese, efeito saneador. Mas suas consequências práticas precisam ser muito bem estudadas antes de entrarem vigor sob pena de tornar, de antemão, suspeitas quaisquer atividades públicas e políticas.
Entenda o Pacto Anticrime
Prisão em segunda instância
O novo texto regulamenta, no Código de Processo Penal, a prisão em segunda instância.
Embargos de declaração
Segundo redação conferida ao artigo 116 do Código Penal, a prescrição não correrá na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, estes quando inadmissíveis.
Crimes de Caixa 2
A alteração no Código Eleitoral se dá com a pretensão de acréscimo do artigo 350-A, que criminaliza o uso de caixa dois em eleições, com pena de reclusão de dois a cinco anos. As práticas de movimentação paralela à contabilidade exigida pela legislação eleitoral também terão a pena aumentada em 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), no caso de agente público concorrer, de qualquer modo, para a prática criminosa.
Legítima defesa
A alteração no Código Penal é no artigo 23, que trata da exclusão de ilicitude. A proposta inclui o § 2º, que indica que o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de situação comprovada de medo, surpresa ou violenta emoção.
Regime inicial fechado ou semiaberto
A proposta inclui três parágrafos no artigo 33 do Código Penal, todos agravando a forma de cumprimento de pena nos casos mais graves. Em todas as hipóteses, o regime inicial será o fechado. Há exceções para crimes de menor relevância.
Progressão de regime e saídas temporárias
Na hipótese dos condenados por crimes considerados hediondos, a progressão de regime passa a ser possível apenas após o cumprimento de três quintos da pena.
Arma ilegal
O texto atual da Lei 10.826, de 2003, recebe nova redação, com dois incisos, explicitando que a pena do crime, por exemplo, de portar, deter, adquirir, fornecer ou receber arma de fogo aumenta em circunstâncias especiais. Atualmente, a pena para esta infração é de reclusão de dois a quatro anos e multa.
Isolamento de criminosos
A proposta prevê que as lideranças criminosas armadas ou que tenham armas à sua disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima. Além disso, aumenta o tempo de permanência desses presos nos presídios federais, passando de um para até três anos.
Acordos para crimes sem violência
Segundo o texto do artigo 28-A do Código de Processo Penal, é estendida a possibilidade de acordo quando o acusado confessa o crime de pena máxima inferior a quatro anos, se praticado sem violência ou grave ameaça.
Agentes disfarçados
Prevê participação de agente policial disfarçado em fase de investigação de ação envolvendo lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e venda ilegal de armas de fogo.
Bancos nacional de dados
A proposta prevê a criação de banco com dados multibiométrico e de impressões digitais e, quando possível, de íris, face e voz, para subsidiar investigações criminais federais, estaduais ou distrital.
Audiências por videoconferência
O artigo 185 do Código de Processo Penal abre ampla possibilidade da realização de audiências ou outros atos processuais por meio de videoconferência ou outros meios tecnológicos.
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública