A lentidão na retomada do emprego tem explicações positivas e raramente comentadas: a queda no desalento e na sub-utilização.
Segundo as projeções da 4E Consultoria, uma das mais respeitadas casas de análise macroeconômica do país, a taxa de desemprego deve seguir acima de 10% até 2026. Mas a lentidão na queda não embute apenas más notícias. Com um olhar cuidadoso para o significado dos números, vemos que boas coisas estão na raiz da lentidão na recuperação do emprego.
A lentidão na retomada do emprego tem três explicações. A primeira está no ritmo de crescimento da economia, que não anda lá essas coisas. Esse é um fenômeno negativo e amplamente noticiado em todos os jornais. As outras duas explicações são positivas e raramente comentadas: a queda no desalento e na sub-utilização.
Pouco se fala sobre desalentados e subutilizados porque o nosso conceito de desempregado é diferente daquele adotado pelo IBGE. Para muitos de nós, desempregado é a pessoa que gostaria de ter um emprego, mas não tem. Alguns consideram quem faz “bicos” como desempregado. Os dados oficiais encaram essa realidade de outra forma.
Quem são os desempregados, de acordo com o IBGE
Os 13,2 milhões de desempregados oficiais que aparecem nas manchetes são pessoas que procuraram e não encontraram emprego nos últimos 30 dias. Esse é o conceito do IBGE, que segue o melhor padrão internacional.
Mas quem nem saiu para procurar emprego nos últimos 30 dias está desempregado? Dita o senso comum que a resposta é sim. Mas para o IBGE a resposta é não. A pessoa nessa situação é classificada como desalentada, não desempregada. Conforme a economia se reaquece, muitos desalentados retomam a esperança e voltam às ruas em busca de emprego. Esse acontecimento animador é algo muito positivo, mas, do ponto de vista frio das estatísticas, faz aumentar o desemprego nos índices do IBGE. Ou seja, um desalentado sem alento faz o desemprego oficial baixar. Um desalentado com alento aumenta o desemprego.
São desempregadas as pessoas que conseguiram um “bico”, mas tiveram sua capacidade produtiva sub-utilizada? Mesmo que declarem insatisfação até com o número horas trabalhadas atualmente, para o IBGE, a pessoa que descolou um bico está oficialmente fora das estatísticas de desemprego.
Esses dois fenômenos, o do desalentado com alento e da pessoa que cansado do bico tenta encontrar uma vaga com carteira assinada no mercado, achatam a curva do gráfico de retomada do emprego formal no Brasil. Essas pessoas disputarão com os desempregados as novas vagas criadas com o reaquecimento do mercado de trabalho. Não é exatamente uma notícia boa, mas também não é uma essencialmente ruim.
Vida nova aos desalentados
Durante a crise econômica, houve um aumento considerável de desalentados no Brasil. No glossário do IBGE, são aqueles que gostaria de trabalhar, mas não tem emprego e nem procuraram nos últimos 30 dias. O modo como o IBGE nomeia este público já sugere, por si só, a tristeza que o atinge no nível pessoal.
Muitos desalentados desistiram de procurar emprego porque não conseguiam. Em entrevista à Virtú, o economista Daniel Duque citou também o caso de “quem gostaria de trabalhar para aliviar a situação em casa, mas por inexperiência nem sabe o que fazer para conseguir”. Situação comum para muitas famílias que viram sua renda cair drasticamente nos últimos anos.
O número de desalentados chegou a crescer 100% em certo momento da crise, retratado no gráfico abaixo. Muita gente parou de procurar emprego, de tão feia que ficou a situação. Esse contingente tende a diminuir nos próximos anos e esta queda deve ser comemorado. Porém, é preciso notar que muitos desalentados vão se tornar desempregados (no conceito do IBGE) por algum tempo. Não há só más notícias por trás da lenta queda na taxa de desemprego.
Os subempregos devem ir embora
Conforme a crise avançava, o custo do desemprego ficou alto demais para muitos brasileiros. Por isso, especialmente após o pior período de recessão, muitos começaram a trabalhar no que fosse possível.
De 2017 para cá, ocorreu um crescimento notável do emprego informal, assim como dos trabalhadores por conta própria. Tratam-se dos brasileiros que, frente ao desespero, tomaram a iniciativa de conseguir um “bico”. Essa população não está utilizando sua capacidade produtiva de forma adequada e não tem interesse em seguir na atual profissão por muitos anos.
Cada um desses brasileiros fez o possível para lidar com os maus ventos econômicos. Aqueles que gostariam de trabalhar mais horas do que atualmente trabalham são classificados pelo IBGE como sub-utilizados. Graças a este grupo, a jornada média de trabalho caiu no Brasil dos últimos anos.
Há ainda aqueles que não necessariamente gostariam de trabalhar mais horas, mas gostariam de usar sua capacidade produtiva de outra forma. Esses, o IBGE nem capta. É o caso do engenheiro que hoje dirige Uber.
Com a retomada do crescimento, quem está insatisfeito com o próprio emprego tende a buscar qualquer outra vaga com melhores remuneração e condição de trabalho. Essas pessoas hoje estão empregadas, segundo o IBGE, mas concorrerão contra os desempregados por cada vaga nova. Eis outro fenômeno que atrapalha a queda na taxa de desemprego, mas não representa má notícia.
O que significa a lentidão na recuperação do emprego
Uma mensagem central desta situação é que os 13,2 milhões de desempregados que aparecem na manchete não retratam inteiramente os problemas do nosso mercado de trabalho. O elevado número de desalentados e sub-utilizados mostra que o problema vai muito além de um número.
A redução do desalento e da sub-utilização são necessárias e fundamentais para entender a trajetória da taxa de desemprego no futuro próximo. Mas é importante olhar também para o crescimento do PIB.
O problema pelo qual passamos hoje é que, para cada nova vaga com boa remuneração e condições de trabalho, há um exército competindo por ela. Ou vários exércitos, na nomenclatura do IBGE: os desempregados, os desalentados, os sub-utilizados, dentre outros. Isto significa que há uma alta demanda pelos empregos criados. A taxa de crescimento da economia, por outro lado, determinada a oferta de novas vagas. No PIB, está nossa única esperança para fugir do cenário desolador previsto pela 4E Consultoria, lá na primeira frase.