Artigo de Humberto Dantas | doutor em ciência política pela USP, pesquisador pós-doutorando em administração pública pela FGV-SP. Head de Educação do CLP e coordenador do MLG.
O texto das cientistas políticas Luciana Santana e Elaine Gontijo, publicado dia 23 de fevereiro de 2021 no blog Legis-Ativo do Estadão, chama atenção para manobras e alterações no regimento interno da Câmara dos Deputados, que arrefeceriam o papel da oposição no processo legislativo por acelerar algumas etapas dos trâmites de aprovação. O assunto foi reportagem em diversos canais de imprensa e de comentário da cientista política Graziella Testa no podcast do Legis-Ativo. Esta segunda pesquisadora chamava atenção para minúcias e sofisticações da Democracia, sobretudo no que diz respeito à delicada diferença entre imposições das maiorias despóticas e o respeito às minorias.
A essência desse debate caracteriza uma série de percepções sobre nossa atualidade. O universo bolsonarista, por exemplo, entende que a formação de maioria num processo eleitoral determina aos derrotados desejos unilaterais de quem “chegou ao poder”. Algo ao estilo: “se fui desejado, agora é a minha vez de formatar o mundo ao meu modo”. Para esse grupo, entre 2003 e meados de 2016, o Brasil esteve nas mãos do PT e tudo convergiu para o que a legenda de esquerda desejava. Longe disso. Por melhor ou pior que Lula e Dilma tenham sido, a realidade passou a léguas de seus intuitos individuais ou puramente ideológicos. Que bom que foi assim, e que está sendo assim, a despeito do grupo que ocupa o poder.
Quem faz uma leitura rápida do texto de Luciana Santana e Elaine Gontijo fica com a impressão de que o governista Arthur Lira está manobrando para servir de bandeja ao presidente Bolsonaro a aprovação de sua agenda. Ledo engano. Portanto: atenção! Matéria recente do jornal O Estado de S. Paulo relata que o grupo de partidos e políticos que elegeu o atual presidente da Câmara, o Centrão, não dará trégua ou não venderá barato a aprovação das pautas do Planalto no Congresso Nacional. O texto é incisivo: “cada projeto será negociado”.
A conta começa a fechar a partir daqui. Lira não opera para o Poder Executivo. Ele opera por meio de extraordinária capacidade de criar um ambiente para, de um lado, sufocar quem apresente dificuldades – a oposição – por meio de detalhes do processo legislativo; e, de outro, controlar amplamente a pauta de maneira que lhe seja possível entregar mais facilmente, mediante “pagamento”, o que estiver sobre a mesa de negociação.
Desde a chegada de Eduardo Cunha ao comando da Câmara em fevereiro de 2015 – e principalmente depois que Rodrigo Maia lá aportou para três mandatos seguidos entre 2016 e 2021 – , nunca fez tanto sentido entender a importância desse cargo para os avanços do País. Em tempo algum, desde a redemocratização do Brasil, políticos souberam vender tão caro o real significado de governabilidade e funcionamento de agenda.
Se Lira chegar aonde deseja com seus movimentos recentes, vai amarrar a oposição e tocar a agenda negociada com o Planalto no ritmo de seu grupo. Resultado: Bolsonaro terá que ser bom pagador para ter sucesso em suas iniciativas e, ao mesmo tempo, rechear de forma significativa o bolso todas as vezes que for dialogar com o presidente da Câmara. O capital aqui é simbolizado por cargos, ministérios, liberação de recursos, penduricalhos em propostas legislativas, pautas eleitoreiras e toda sorte daquilo que costumamos criticar. Soma-se, ainda, tudo que o presidente eleito em 2018 disse que combateria no universo do que chamou maneira pura de corrupção.
Conclusão: ser for hábil, algo difícil de crer, Bolsonaro pode até chegar prestigiado à disputa da reeleição em 2022, sobretudo se sua agenda prosperar como deseja. Mas, mais do que nunca, terá que colocar ao seu lado um amplo leque de partidos para conseguir explicar, se defender e ser defendido, a respeito do preço que pagou para lograr êxito em seus desejos. Do contrário, ele perderá muito junto à opinião pública e ao Congresso Nacional. No limite, perderá controle até mesmo sobre a lógica de impedir que prosperem contra si pautas negativas e acusações de naturezas diversas. Arthur Lira está se transformando, se os planos de seu grupo prosperarem, no efetivo dono da banca.
LIDERANÇA E GESTÃO PÚBLICA | QUEM É QUEM
Professores do Máster em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP

Patricia Tavares
Doutora em Administração pela FGV, Visiting Fellow of Practice da Blavatnik School of Government, Universidade de Oxford. Co-fundadora e sócia da Datapedia.info, a maior plataforma de dados sócio-econômicos e eleitorais do país. Consultora e Professora do Insper e do CLP.
Humberto Dantas
Doutor em ciência política pela USP, pesquisador pós-doutorando em administração pública pela FGV-SP. Head de Educação do CLP e coordenador do MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Antônio Napole
Administrador de empresas pela FGV-EAESP, bacharel em Rádio TV pela FAAP e mestrando em jornalismo nas Cásper Líbero. Napole é professor do MLG e vice presidente da Kaiser Associates, consultoria de estratégia.
Fernando S. Coelho
Doutor em administração pública pela FGV, professor de gestão pública da EACH-USP. Docente-colaborador do Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Diego Conti
Doutor em administração pela PUC-SP e pela Leuphana Universität Lüneburg (Alemanha) em governança urbana e sustentabilidade. Mestre em administração pela PUC-SP com pesquisa sobre indicadores de sustentabilidade. Consultor internacional, pesquisador e professor de pós-graduação do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE e professor associado do CLP – Liderança Pública.
Denilde Holzhacker
Doutor em ciência política pela USP. Foi visiting scholar no Bentley University, (MA, Estados Unidos). Professora na ESPM-SP e coordenadora do Legislab-ESPM. Integra a rede de professores MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Vinícius Müller
Doutor em História Econômica, colaborador da Revista Digital Estado da Arte, do Estadão, e professor do INSPER e do CLP. Autor de Educação Básica, Financiamento e Autonomia Regional (Ed. Alameda)
Rodrigo Estramanho
Bacharel em Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (ESP), Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP. É professor na FESPSP e no MLG, pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP) da PUC/SP e psicanalista membro do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
Humberto Falcão Martins
Professor da EBAPE/FGV e EAESP/FGV, visiting fellow na London School of Economics. Fundador do Instituto Publix. Foi Secretário de Gestão no Min. do Planejamento, delegado do Brasil no Comitê de Gestão Pública da OCDE e Presidente da Rede de Gestão Pública e Transparência do BID. Bacharel em Administração pela UnB, Mestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP) e Doutor em Administração pela EBAPE/FGV.
Eduardo Deschamps
Doutor em Engenharia pela UFSC, Professor da Universidade Regional de Blumenau – FURB e do MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP. Conselheiro do CEE-SC. Presidente do CNE (2016-2018).
Gabriela Lotta
Doutora em ciência política pela USP, professora de administração pública pela FGV EAESP. Coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB/FGV).