Pandemia da Covid-19 expôs a enorme parcela de trabalhadores informais que vivem sem a proteção da lei trabalhista e sem direito a benefícios sociais. Reforma dos programas assistenciais deve encontrar maneira de tirar esses brasileiras da invisibilidade
A pandemia escancarou as desigualdades brasileiras. No ensino, ficou explícito o deságio de oportunidades sofrido pelos alunos que mal conseguem se conectar à internet e não podem contar com o auxílio de seus familiares nos estudos em casa. No mercado de trabalho, os profissionais de maior escolaridade conseguiram manter as suas atividades trabalhando de casa, fazendo reuniões pelas plataformas digitais, enquanto os trabalhadores cujas ocupações são necessariamente presenciais tiveram uma perda de renda mais acentuada.
Os mais atingidos pela crise foram os informais, sem carteira de trabalho e por isso sem direito aos benefícios assegurados pela lei trabalhista, como férias, seguro-desemprego e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). São profissionais como motoristas de aplicativo, cabeleireiras, diaristas, vendedores ambulantes. São pessoas que não estão sob o guarda-chuva que protege os trabalhadores do setor formal em momentos de dificuldades, mas que também não são tão pobres ao ponto de terem o direito a receber a ajuda do Bolsa Família. São os “invisíveis”, como definiu o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Um estudo da economista Laísa Rachter, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), ajuda a dar maior visibilidade a esses “invisíveis”. Entre 60% e 70% do total dos beneficiários do auxílio emergencial não tinha direito nem a auxílios trabalhistas nem a benefícios sociais. Segundo a economista, esse contingente representa aproximadamente 40% da população economicamente ativa.
As regiões Norte e Nordeste possuem, proporcionalmente, uma maior proporção de informais sem direito a benefícios. Como mostra o mapa abaixo, os estados com as maiores parcelas de “invisíveis” na força de trabalho são Bahia, Piauí e Maranhão.
Quatro de cada dez desses brasileiros, segundo a pesquisadora, não completaram nem mesmo o ensino fundamental. São pessoas que vivem em lares cuja renda média mensal fica ao redor de R$ 1.300. “Esse grupo não se qualifica para receber os benefícios assistenciais”, afirma a economista. “Entretanto, vive no limiar da pobreza”. Como referência, a linha de pobreza do Banco Mundial é de R$ 436 mensais por pessoa, acima da renda per capita de mais da metade dos “invisíveis”.
Numa projeção feita por Laísa, as ocupações que mais perdem renda em relação ao habitualmente recebido foram cabeleireiros e manicures (-32%), ambulantes (-28%), costureiros e sapateiros (-28%), motoristas de aplicativo (-27%) e vendedores em domicílio (-26%). São todas atividades tipicamente informais e que dependem quase sempre do contato direto com outras pessoas.
Os números demonstram que existe uma parcela enorme da população extremamente vulnerável a choques na economia. Vive se equilibrando entre a baixa classe média e a pobreza. Afirma Laísa: “É preciso repensar as políticas de seguridade social para essa parcela da população. Políticas compensatórias, como transferências de renda, se provaram eficientes e são imprescindíveis para absorver choques abruptos de renda”
O auxílio emergencial contribuiu para que essas pessoas atravessassem a crise, mas o custo do programa superou R$ 50 bilhões ao mês em sua primeira versão, no ano passado. É inviável, do ponto de vista das finanças públicas.
O governo e o Congresso estão debruçados sobre propostas para aperfeiçoar e ampliar os programas sociais. Dois pontos básicos não podem ficar de fora das discussões: o equilíbrio financeiro de longo prazo dos benefícios e a proteção dos “invisíveis” sem direito a nenhuma proteção nos tempos de dificuldades.
Resume Laísa: “É imperativo, portanto, desenhar políticas de seguro que aumentem a proteção dessa parcela dos trabalhadores a um custo mais baixo”.