É um privilégio injustificável do MP não pagar custas dos processos e tampouco sucumbência, quando perde as ações.
As instituições são os pilares da democracia. Elas garantem o Estado de Direito, limitam o poder do governo e servem de contrapeso para garantir que as liberdades individuais não sejam cerceadas pelo governantes. Portanto, as boas reformas têm como objetivo fortalecer as instituições e não enfraquece-las –como é a vontade de governantes antiliberais.
O ministro Celso de Mello fez uma brilhante defesa do Ministério Público na semana passada. Ele afirmou que o MP “não deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja ou instrumento de concretização de práticas ofensivas aos direitos básicos de minoria”. A fala do ministro serviu de alerta para refrear propostas de reforma que usam a narrativa do “abuso de poder” para reduzir a independência do MP.
O Ministério Público precisa de reforma
As boas reformas aprimoram o funcionamento das instituições e o Ministério Público precisa de algumas mudanças para fortalecer a sua atuação e aumentar a transparência das suas ações. A sanha do MP em mover uma infinidade de ações públicas – muitas delas descabidas e que claramente violam direitos, obrigações e deveres contratuais, celebrados entre as partes – é fruto de um privilégio injustificável: o MP não paga custas dos processos e tampouco sucumbência, quando perde as ações. Cria-se então um incentivo perverso que estimula o MP a mover ações públicas e não ter de assumir o ônus dos custos, se vier a perde-las. Chega-se ao absurdo de uma empresa ganhar uma ação e ter de pagar a sucumbência para poder se beneficiar de algo que lhe é de direito. Ou seja, o transtorno e os custos das ações públicas são exclusivos das pessoas e entidades processadas pelo Ministério Público.
É preciso equilibrar o jogo, igualando os direitos e deveres entre o MP e a sociedade. Como? Eliminando o perverso incentivo de permitir o MP a não arcar com custas e sucumbência das ações públicas. De fato, deveria se criar no Orçamento da nação uma rubrica “Fundo do Ministério Público”, cujo valor teria de ser negociado anualmente com o Congresso para que o custo estimado das despesas com custas e sucumbência do MP esteja devidamente explícito. Assim, cria-se um incentivo positivo para o Ministério Público gozar da sua independência – mas com responsabilidade. Se começar a perder uma enxurrada de ações públicas, o valor despendido com custas e sucumbência estarão evidentes no estouro do orçamento do MP.
A transparência orçamentária vai estimular o MP a ser mais criterioso com as ações públicas. A redução do número de ações descabidas contribuirá para diminuir a insegurança jurídica e o custo absurdo de tempo e de recursos públicos e privados que oneram governos, empresas e indivíduos. A criação do Fundo do MP trará mais transparência e responsabilidade ao MP sem bulir com sua independência. A reforma trabalhista, aprovada em 2017 pelo governo Temer, revela o impacto benéfico do equilíbrio de direitos e deveres para o Estado e para o cidadão. Antes da reforma trabalhista, existia uma verdadeira indústria de processos na Justiça do Trabalho. Empregados demitidos não tinham nada a perder para mover ação contra seus empregadores, pois não tinha de pagar custas e sucumbência. A reforma trabalhista equilibrou as regras do jogo. Empregados podem continuar a processar os empregadores, mas agora são obrigados a pagar as custas e sucumbência, se perderem a ação. No primeiro ano de vigência da nova regra, houve uma redução de 36% dos processos trabalhistas. Assim, não se inibem as ações de empregados que se sentem injustiçados, mas diminuem significativamente as ações descabidas.
Numa sociedade democrática, todos são iguais perante à lei. Não se justifica o MP gozar de um privilégio que onera o cidadão, aumenta a insegurança jurídica e compromete a reputação do MP e a sua imagem de que há abuso de poder na sua atuação.