A aprovação do pacote significou uma importante atualização da política penal do País em resposta aos crimes complexos.
A aprovação pelo Congresso do PL 10372/2018, o Pacote Anticrime, na semana passada significou uma importante atualização da política penal do País em resposta aos crimes complexos como a corrupção, a lavagem de dinheiro, o crime cibernético e as organizações criminosas. Com a nova Lei, não apenas o sistema de justiça criminal do País terá condições de conduzir investigações mais eficazes desses crimes, como as penas e a execução penal serão mais duras para corruptos e criminosos violentos.
Propostas de endurecimento penal rondaram o Congresso desde os anos 1990 e diversas medidas foram incorporadas ao Código Penal como a Lei do Crime Organizado, da Lavagem de Dinheiro e o Estatuto do Desarmamento, que ampliou as penas para os crimes de porte e posse de armas ilegais. Vista em perspectiva, a evolução de nossa política penal tem sido consistente no sentido de agravar as penas para os crimes que se tornaram ameaças concretas à sociedade e às instituições do Estado brasileiro.
Democracia de consenso
O Pacote Anticrime aprovado pelo Congresso é mais uma decisão consistente nessa trajetória e oferece ainda um ótimo exemplo de como funciona nossa democracia de consenso. O Brasil, como seus primos institucionais da Europa continental, tem um modelo de democracia projetado para encontrar um terreno comum para a tomada de decisões. Em sociedades pluralistas, as democracias de consenso facilitam a acomodação de interesses políticos e a partilha do poder. Esse comentário interessa à reflexão sobre o Pacote Anticrime na forma do PL 10372/2018, pois sua longa tramitação reflete um coerente processo de acomodação de demandas de vários setores da sociedade. Sérgio Moro, Alexandre de Moraes e Rodrigo Maia disputam a paternidade do Pacote, mas o mapa do processo decisório mostra que nossas instituições foram capazes de produzir a acomodação de um conjunto de propostas com uma clara inspiração comum.
Histórico do Pacote Anticrime
Tudo começou na Câmara, em 2018. Foi criado um grupo de trabalho com a finalidade de apresentar propostas para o combate à criminalidade organizada (PL 10372/2018 e PL 103273/2018). Aqui entra outro personagem importante nessa história, o Ministro do STF Alexandre de Moraes, que teve forte influência no trabalho do grupo de trabalho da Câmara para quem entregou um conjunto bem organizado e consistente de propostas elaboradas, a seu pedido, por uma comissão de juristas. Em 2019, com o Congresso renovado e outro Presidente da República, foram apresentados outros 3 projetos de lei provenientes do Ministério da Justiça, liderado por Sérgio Moro. O PL 881/2019 que propunha criminalizar o uso de caixa dois em eleições; o PL 882/2019 que estabelecia medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes violentos; o PLP 38/2019 que estabelecia regras de competência da Justiça Comum e da Justiça Eleitoral com foco na corrupção. Na falta de uma articulação política adequada do governo no Congresso, agiu o Presidente da Câmara que coordenou uma saída negociada. Todos os Projetos de Lei do atual governo e da anterior legislatura foram apensados ao PL 10372/2018 que apresenta três núcleos principais de conteúdo: o endurecimento penal (previsão de penas mais duras para o crime organizado e delitos praticados com violência); o fortalecimento da execução penal (regimes de cumprimento das penas mais rígidos); o apoio à investigação de Crimes Complexos.
O que saiu e o que ficou
Da proposta do Ministro Sérgio Moro, foram suprimidos ou limitados o excludente de ilicitude; prisão após julgamento em segunda instância e a possibilidade de acordo entre a acusação e o réu no processo penal, o “plea bargain”. Mas a vitória do governo foi expressiva.
Do núcleo das propostas iniciais foram mantidas a gravação de conversas entre advogado e preso em presídio que podem ser feitas mediante autorização judicial; a prisão após condenação por Tribunal do Júri, se manteve com a condicionante de que a pena seja superior a 15 anos; a infiltração de agentes para obtenção e produção de provas foi ajustada para que o procedimento seja utilizado apenas contra quem já está sob investigação; e a proibição de progressão de regime para presos com vínculos com organizações criminosas (embora limitada no escopo de aplicação).
Por iniciativa do Legislativo foi criada a figura do juiz de garantias, o que implicará a obrigação de se ter dois magistrados no processo penal, um responsável pela supervisão da investigação criminal e outro para sentenciar o acusado. Foram definidas ainda restrições à prisão preventiva.
Uma terceira via
Apesar da politização dos temas e o sentido de auto-proteção do Congresso, que conseguiu limitar o alcance das medidas contra a corrupção, as engrenagens de nossa “democracia consensual” funcionaram e o Pacote, na sua versão final, terminou aprovado por 408 deputados da Câmara, aproximadamente 80% dos parlamentares que compõem a casa, e em seguida foi aprovado pelo Senado no mesmo dia que foi enviado pela Câmara. Esses resultados – juntamente com a escalada de violência durante as últimas décadas – demonstram a necessidade de revisão da política criminal brasileira no sentido de finalmente transpor o embate entre “garantistas” e “punitivistas”. A aprovação do “Pacote Anticrime” indica um caminho possível. Há medidas de impacto imediato que auxiliarão o sistema de justiça criminal a ser mais eficiente diante das ameaças à segurança pública que estamos enfrentando no país. E o mais importante, encontramos uma forma compartilhada e com amplo apoio político para enfrentar esses desafios.
*Artigo de Leandro Piquet Carneiro e João Pedro Paro | Instituto de Relações Internacionais – USP