É grande a pressão para flexibilizar o teto de gastos. A desculpa é a urgência causada pela pandemia da Covid-19. O limite de despesas, no entanto, é essencial para evitar uma explosão da dívida pública. Por isso é recomendável perseguir reformas, como a tributária e a administrativa, antes de mexer na lei do teto.
Histórico de gastos públicos
No passado, o Brasil acomodava o avanço dos gastos públicos com a emissão de moeda. O resultado foi a hiperinflação dos anos 1980 e início dos anos 1990. Com o Plano Real, a inflação foi debelada, mas, ainda assim, os gastos públicos continuaram avançando sempre acima do crescimento econômico. O financiamento do desequilíbrio recorrente nas contas públicas foi feito, então, pelo aumento de impostos. Três décadas atrás, a carga tributária era pouco superior a 20% do PIB; hoje está em 32% do PIB.
Nem assim foi possível deixar o setor público no azul, e a dívida pública entrou em trajetória de alta. O Brasil é dono do maior endividamento público entre os países em desenvolvimento.
O teto de gastos
O teto de gastos foi criado como um artifício para frear o crescimento constante das despesas e forçar o governo a fazer escolhas e eleger prioridades, em vez de apenas repassar a conta para o contribuinte. A regra deu resultados. Até 2015, os gastos públicos vinham crescendo, na média, 6% ao ano em termos reais (ou seja, acima da inflação). A partir de 2016, com a contenção de despesas, houve um alívio nas pressões inflacionárias e diminuiu a incerteza com relação à estabilidade financeira do setor público.
Esse novo arcabouço contribui para a queda nos juros, que nunca foram tão baixos na história recente do País. Resultado? O dinheiro dos poupadores financia cada vez mais projetos privados, por meio do mercado de capitais, no lugar de ficar estacionado em títulos da dívida pública.
A lei do teto é rígida no que diz respeito ao controle dos gastos não essenciais. Mas possui flexibilidade suficiente para acomodar investimentos emergenciais, como ocorreu agora com a pandemia da Covid-19. As despesas com educação e saúde, consideradas prioritárias, também ficam isentas do teto. Na verdade, existem investimentos mínimos que devem ser feitos nessas áreas.
Assim sendo, não é razoável a alegação de que o teto impede o País de fazer investimentos sociais. Na realidade, eles cresceram nos últimos anos. Como vem alertando o economista Marcos Mendes, um dos criadores da lei do teto, a pressão para a derrubada da trava nos gastos parte principalmente de castas elevadas do funcionalismo, que lutam para preservar seus privilégios.
A recessão atual aprofundou o déficit nas contas públicas. O estrago não foi pequeno, e a dívida bruta ruma para um nível próximo a 100% do PIB, patamar encontrado apenas em nações ricas.
Controlar o endividamento não será fácil com a lei do teto dos gastos; sem ela, o mais provável será uma explosão da dívida, como mostra uma simulação feita por economistas do Insper, no documento ‘Uma agenda econômica pós-pandemia’.
Rompimento do teto
Existe uma grande possibilidade de o teto ser rompido no próximo ano, de acordo com estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI). O governo e o Congresso terão de discutir uma saída para manter os gastos necessários ao combate à crise sem corromper as metas de estabilidade financeira.
Pressão por flexibilização
As pressões por flexibilização das regras serão enormes. Será necessária toda a atenção para distinguir entre o que são questões conjunturais e o que são fatores estruturais. Sem ajustes estruturais, como a reforma tributária e administrativa, nunca haverá equilíbrio nas finanças públicas.
Haverá sempre uma escusa para autorizar novas despesas supostamente emergenciais. É o cachorro correndo sempre atrás de seu próprio rabo, sem chegar a lugar nenhum, mas, no caso, a conta sempre acaba sobrando para a sociedade, que será penalizada com mais impostos e menos crescimento econômico. Daí a importância de enfrentar reformas antes de ceder às tentações por mais gastos.
O setor público precisa gastar melhor em vez de gastar mais. Assim como deveria ser proibido o aumento de impostos enquanto não se aprovar a reforma tributária, deveria ser proibido flexibilizar o teto dos gastos sem antes aprovar a reforma administrativa.