A paralisação das aulas presenciais causada pela pandemia, aliada à desigualdade do ensino no País, comprometeu em 8% a renda futura de alunos entre os 10 anos e os 19 anos de idade em 2020. É o maior índice da América Latina. Mas paralisação não é apenas nas aulas. Relatório do Transparência Brasil mostra que 35% das obras em creches e escolas foram canceladas, estão paralisadas ou sequer tiveram início entre 2007 e 2020.
Superada a crise sanitária, o Brasil terá de coordenar esforços para recuperar o tempo perdido na educação. Em poucos lugares do mundo, os colégios permaneceram fechados por tanto tempo como aqui. Foram mais de 200 dias sem aulas presenciais no ano passado, contra 80 no Chile. Apesar das iniciativas de ensino à distância houve grande perda no aprendizado.
Em análise divulgada na semana passada, o Fundo Monetário Internacional estimou que as crianças brasileiras deverão ser as mais afetadas, em termos de perda de renda futura, entre todas as crianças da América Latina. O prejuízo se deve à elevada desigualdade na qualidade do ensino no País e à incapacidade de muitas famílias compensarem, por meio do ensino doméstico, o vácuo deixado pela falta de aulas. A perda estimada poderá chegar a 8% da renda futura, o dobro da média prevista para os outros países da região. “As perdas serão maiores para os alunos de famílias menos capazes de manter o aprendizado fora da escola, exacerbando a já elevada desigualdade de renda e os baixos níveis educacionais”, afirmam os economistas Alejandro Werner, Takuji Komatsuzaki e Carlo Pizzinelli, autores do estudo.
O futuro seria mais promissor caso, ao menos, o período sem aulas estivesse sendo aproveitado para resolver outras mazelas do sistema educacional, como o atraso na construção de escolas e creches. Infelizmente, não é o que vem ocorrendo. Um relatório da Transparência Brasil, divulgado na semana passada, revela que 2.186 escolas públicas estão com as obras paralisadas. Entre 2007 e 2020, os municípios receberam repasses de R$ 1,3 bilhão para esses projetos, mas ou as obras ficaram pelo caminho ou estão atrasadas. Em muitos casos, nem foram iniciadas.
De acordo com o levantamento, há atrasos na conclusão que já passam de sete anos. A prefeitura recebe os recursos, mas não realiza a obra dentro do cronograma previsto. Quais os motivos do atraso? Em resumo, a contratação de empresas sem qualificações técnicas e financeiras para os projetos, falhas no planejamento e corte nos recursos destinados às obras. De acordo com o relatório, as obras paralisadas estão presentes em municípios de todos os estados brasileiros, embora com uma distribuição desigual.
Há ainda mais de 1.000 projetos que receberam recursos mas foram cancelados antes do início das obras. Os recursos precisam ser devolvidos, mas uma ínfima fração dos municípios retornou o dinheiro não utilizado.
Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil, um dos grandes desafios para reverter a situação é a realidade de que a grande maioria dos pequenos municípios não possui capacidade técnica nem para fazer os projetos básicos das obras nem para fiscalizá-las. “A concepção costuma ser mal feita e a chance de o projeto dar errado é muito grande”, afirma, em conversa com o Virtù. “Outra questão são os recursos. Quando falta dinheiro, paralisam as obras. Mas quando surge dinheiro novo, os prefeitos e governadores preferem fazer novos projetos, em vez de concluir aqueles que estão paralisados.”
Obras paralisas da União
O descaso com relação às obras paralisadas em escolas ou creches representa apenas uma parte de um quadro aterrador de desperdício de dinheiro público. Em 2018, uma auditoria do Tribunal de Contas da União analisou o andamento de 30.000 obras bancadas com repasses federais em todo o País. Resultado: 37% delas estavam paradas ou inacabadas. As principais causas apontadas pelo TCU foram: contratação com base em projeto básico deficiente; insuficiência de recursos financeiros de contrapartida; e dificuldade de gestão dos recursos recebidos.
Não se tem ideia de números mais recentes, mas, de acordo com as estimativas do TCU em 2018, seriam necessários R$ 144 bilhões para concluir todos os projetos paralisados. Considerando-se as obras sendo feitas, seriam necessários outros R$ 575 bilhões. Obviamente, não existe esse dinheiro no setor público, o que leva a crer que a realização desses projetos, e novos que serão apresentados, é em grande parte um enorme faz de conta, cuja única utilidade é movimentar as engrenagens subterrâneas dos interesses políticos. “Nosso debate é sempre quanto gastar e não como gastar”, afirmou, em uma entrevista recente, o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper. Os números e os dados da Transparência e do TCU comprovam essa análise. É uma tragédia silenciosa para a economia brasileira — e ainda mais para os alunos sem aulas e sem escolas.
Curadoria de conteúdo
Ana Maria Diniz
“A evasão e o abandono escolar constituem uma tragédia individual e coletiva. O adolescente que não termina o Ensino Médio ganha de 20% a 25% menos do os que se formaram, tem menos chances de conseguir um emprego formal, vive em média quatro anos menos e corre um sério risco de entrar para o crime. Em um sentido mais amplo, prejudica a formação do capital humano e coloca obstáculos enormes ao progresso do país.
Dos 50 milhões de jovens brasileiros de 14 a 29 anos, 10,1 milhões (20,2%) não completaram a educação básica, segundo a última Pnad Contínua. Nossas taxas de frequência escolar no ensino médio estão praticamente estagnadas há 15 anos. Se continuarmos nesse ritmo, serão necessários 200 anos até conseguirmos ter 100% dos nossos jovens no ensino médio.
É impossível para qualquer pessoa que se preocupa com o futuro do país assistir essa tragédia anunciada passivamente. Quanto mais tempo as crianças ficarem fora da escola, menor é a probabilidade de elas retornarem. Precisamos nos mexer e o momento para agir é já!” Trecho extraído de artigo para o Estadão.