A prioridade do Congresso deve ser a aprovação do Orçamento de 2021. Sem ele há risco de paralisação da máquina pública. É uma situação de enorme insegurança jurídica, que solapa a confiança dos investidores em um momento em que a retomada do emprego e da renda é urgente.
Depois da eleição das novas mesas diretoras na Câmara e no Senado, acabou de ser aberta uma janela política para a aprovação de reformas. Essa janela deverá ficar aberta até outubro; a partir daí, as eleições de 2022 vão dominar todas as atenções.
Rodrigo Pacheco, o presidente do Senado, e Arthur Lira, o presidente da Câmara, afirmaram na semana passada que vão trabalhar para votar duas das reformas mais importantes para o País, a tributária e a administrativa, dentro desse prazo. A contagem-regressiva foi iniciada. A sociedade civil terá que cobrar para que o compromisso seja cumprido e terá que fiscalizar os parlamentares para que as reformas não sejam desvirtuadas.
A prioridade é o Orçamento
Essas e outras reformas são urgentes e precisam avançar o quanto antes. Mas a prioridade dos parlamentares deveria ser a aprovação do Orçamento de 2021. Em uma situação inusitada, que revela o pouco compromisso com as instituições republicanas, o governo demorou a concluir o texto-base de referência para a construção do Orçamento. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi apresentada no apagar das luzes de 2020. A reunião Comissão Mista de Orçamento do Congresso, etapa fundamental para elaboração da Lei Orçamentária, sequer aconteceu. Enquanto isso, as contas públicas estão sendo pagas apenas por causa do controverso dispositivo do duodécimo – o desembolso mensal de até um doze avos dos gastos previstos para o ano.
O recurso permite apenas o pagamento de certas despesas obrigatórias. Sem a aprovação da Lei Orçamentária, não será possível retomar o pagamento de auxílios emergenciais para enfrentar a pandemia, por exemplo, deixando ao relento milhões de desempregados e pequenos empresários, além de dificultar a alocação de recursos para a saúde pública.
Pacheco e Lira prometem correr para ter o Orçamento aprovado até o fim de março. Para isso terão que encontrar uma fórmula que acelere a tramitação. Caso o rito constitucional fosse seguido, a votação ocorreria apenas em abril, de acordo com estimativa da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Até que haja definição, o País segue nas brumas da incerteza. Não se sabe como e se o teto de gastos será cumprido, que tipo de ação será tomada para fazer as despesas públicas caberem na receita, ou quais medidas deverão ser usadas para mitigar os efeitos da pandemia. Os brasileiros ficam aguardando de braços cruzados. É uma situação enorme insegurança jurídica que solapa a confiança dos investidores. Até parece que o País não precisa desesperadamente de mais empregos e mais renda.
A situação se repete
A situação é absurda, mas não inédita. O advogado e professor de direito financeiro da USP José Maurício Conti, em artigo no Jota, lembrou de momentos no passado recente em que a Lei Orçamentária foi aprovada às vésperas do fim do ano. Em 1994, no primeiro ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, ela foi aprovada em novembro; e em 1996 e 2006 (governo Lula) foi aprovada em maio.
No caso da Lei de Diretrizes Orçamentárias, apresentada tardiamente pelo governo e aprovada em dezembro, Bolsonaro por pouco não repetiu Dilma: em 2014, o atraso foi ainda maior e a LDO foi votada apenas no início de 2015.
Afirma Conti, a respeito da insegurança criada pela avacalhação rotineira de governos e parlamentares: “No orçamento são tomadas as decisões mais importantes de alocação dos recursos e concretização das políticas públicas. Gerir a administração pública federal sem o Orçamento é governar à deriva, sem as balizas definidas pelo sistema orçamentário, que asseguram a participação popular, diretamente e por meio de seus representantes, nas definições sobre o gasto público”.
Sem o Orçamento há o risco de paralisação da máquina pública em plena pandemia e início da campanha de vacinação – a menos que se encontrem novas brechas e trambiques legais, que apenas fazem desacreditar ainda mais uma instituição que deveria ser sagrada num País republicano e democrático. As finanças públicas não podem ficar ao sabor dos desejos do governante e dos oligarcas mais próximos do poder.
Emendas e votos
As despesas previstas para 2021 são de R$ 1,41 trilhão. É uma montanha de dinheiro, mas 93% do total têm destino carimbado: pagamento de aposentadorias, salários e benefícios dos servidores, gastos obrigatórios na educação e na saúde. Sobra muito pouco para investir na infraestrutura e em outras áreas.
O pouco que sobra é tão pouco, que começou a criar foco de instabilidade no relacionamento entre governo e Congresso. Os parlamentares recheavam o Orçamento com emendas, mas o governo liberava uma pequena parcela. Desde o final do governo Dilma passou a vigorar uma novidade que apertou ainda mais a margem de manobra na gestão das finanças: são as emendas impositivas. Em 2021, esses pagamentos devem superar os R$ 16 bilhões.
Com Bolsonaro surgiu outra novidade: o Executivo criou um cadastro para inscrição de municípios em programas federais que terão verbas carimbadas. Faz parte de um acordo coordenado por Lira para obter os votos para a sua vitória na Câmara. Representantes de mais de 600 municípios já registraram o seu pleito.
A governabilidade cobrará seu preço, sobretudo num governo sem liderança. A base de Bolsonaro é menos sólida do que as vitórias da semana passada possam fazer crer. Na Câmara, por exemplo, mesmo se atuar em bloco, a coalização de 11 partidos que elegeu Lira não possui os votos necessários para aprovar sozinha as reformas, como destaca o cientista político Carlos Pereira. Não dispõe de votos nem mesmo para assegurar a passagem dos projetos que exigem maioria simples, e muito menos para aprovar as emendas constitucionais, cuja aprovação exige dois terços de apoio dos deputados e dos senadores.
Mas o que moveu Bolsonaro a se esforçar na criação de uma base minimamente fiel não é, claro, o seu ímpeto reformista. Sua maior motivação é escapar de um processo de impeachment e se reeleger em 2022.
O lado bom, se existe algum, é que, para pagar as promessas e liberar o dinheiro das emendas, será necessário aprovar o Orçamento – e logo! Quem sabe o interesse paroquial dê algum senso de urgência aos parlamentares.