O Brasil ruma ao final de março sem ter o Orçamento 2021 aprovado. A decisão é urgente. Sem ele, o ordenamento cede espaço aos arranjos instáveis e provisórios. Para o jurista José Maurício Conti, a situação é de elevada insegurança jurídica: coloca em risco o funcionamento da máquina pública e solapa a confiança dos investidores.
A Lei Orçamentária é “a lei materialmente mais importante do ordenamento jurídico logo abaixo da Constituição”, afirmou o jurista Carlos Ayres Brito, então ministro do Supremo Tribunal Federal, em 2008. Estava em questão o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que questionava a legalidade de uma abertura de crédito extraordinário feito pelo governo Lula por meio de uma Medida Provisória. No mesmo julgamento, o ministro Celso de Melo afirmou que “o chefe do Poder Executivo da União transformou-se em verdadeiro legislador solitário da República”.
O valor do crédito excepcional em questão era de R$ 5,4 bilhões. Seria utilizado para bancar salários e despesas correntes do setor público. Já era abril, e o Orçamento não havia sido votado. O governo Lula saiu derrotado. De lá para cá pouco mudou. O Executivo continua usando e abusando das Medidas Provisórias. Encontra brechas e artimanhas jurídicas para autorizar despesas, driblando as restrições legais e solapando o arcabouço institucional.
Orçamento 2021
Estamos rumando para o final de março, sem ter o Orçamento 2021 aprovado. O que fez o governo? Pressionou o Congresso para aprovar a toque de caixa, na semana passada, um projeto emergencial que abra espaço para o pagamento de até R$ 453,7 bilhões em salários de servidores, aposentadorias e outras despesas. A “medida emergencial” equivale a 30% dos gastos previstos para o ano. É 100 vezes o valor pleiteado por Lula em 2008. O governo se cerca de preocupações jurídicas para evitar contestações, ainda assim elas deverão ocorrer, afirmam os especialistas em direito financeiro, porque a medida atropela a Lei Orçamentária e poderá sofrer contestações.
É um sintoma do ambiente de desrespeito institucional e elevada insegurança jurídica em que vive o País. O ordenamento cede espaço aos arranjos instáveis e provisórios.
“A Lei Orçamentária é a mais importante para o ordenamento jurídico, como bem disse o ministro Ayres Britto, porque é ela que vai definir como o Estado vai administrar os recursos pagos pelos cidadãos”, afirma o jurista José Maurício Conti, professor da Faculdade de Direito da USP e especialista em direito financeiro. Conti é autor de livros como “Levando o Direito Financeiro a Sério” e “O Planejamento Orçamentário da Administração Pública no Brasil”, ambos disponíveis para download gratuito.
Como analisa Conti, historicamente os atrasos na aprovação do Orçamento, ocorridas também no governo Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff, refletem quase sempre impasses políticos. São recorrentes, portanto. Isso cria empecilhos à boa gestão, que ocorre de maneira provisória e improvisada.
Imagina-se que a decisão exemplar de 2008 tivesse representado um basta ao improviso orçamentário. Não foi o que ocorreu. “A culpa não é das leis, elas são boas. O problema está no cumprimento delas”, afirma Conti. “A legislação é adequada, mas ela não é respeitada.”
O atropelo à Lei Orçamentária representa um entre tantos exemplos da insegurança jurídica no País. “A segurança jurídica, se não for a principal, é uma das mais importantes funções do direito como um todo. Mas não é o que temos observado. O gestor não respeita as leis, os órgãos de fiscalização são lenientes e, muitas vezes, o Judiciário não tem colaborado. Tem dado muitas decisões de natureza ativista. O julgador coloca uma percepção própria dele sobre a lei.”
Os prejuízos de tamanha incerteza são evidentes. Descontinuidade de políticas no setor público, medidas casuísticas e um ambiente instável que penaliza os projetos de longo prazo no País.