O aumento vertiginoso dos fundos ESG reflete a crescente preocupação do mercado com relação à sustentabilidade e aos objetivos de longo prazo das empresas nas quais investem. É o chamado capitalismo de stakeholders. No País, a sociedade civil e algumas empresas já se mobilizaram para esse novo ambiente empresarial. O mundo político, ainda não. É preocupante, porque o setor público é um ator essencial. O Brasil, dono da maior riqueza natural do mundo, deveria estar liderando essa transformação.
O valor total aplicado em ativos financeiros que seguem algum tipo de critério ESG dobrou nos últimos dois anos e atingiu US$ 40,5 trilhões. São fundos de investimentos e outras aplicações financeiras que, além de focar na rentabilidade, observam também a governança das empresas em três áreas: ambiental, social e corporativa (environmental, social and corporate governance em inglês, daí a sigla ESG).
Além do volume negociado, as empresas que fazem a gestão dos fundos ESG cresceram enormemente nos últimos anos. Entre 2017 e 2020, as equipes dos 30 maiores gestores cresceram em média 229%.
Sustentabilidade e objetivos de longo prazo
O ganho de importância dessa categoria de investimentos reflete a crescente preocupação dos investidores e dos poupadores com relação à sustentabilidade e a objetivos de longo prazo. O lucro é necessário, sim, mas não suficiente para que uma companhia desperte o interesse de investidores. Os executivos que não estiverem atentos a essa mudança de atitude colocarão em risco a própria sobrevivência de seus negócios.
Os investidores elevaram a barra dos critérios para avaliar as suas decisões de aplicação de recursos. Exigem que as companhias apresentem não apenas números financeiros saudáveis, mas também evidências objetivas de que perseguem, em seu dia a dia, práticas empresariais lícitas e éticas, de que incentivam a diversidade e de que se esforçam para reduzir o seu impacto ambiental.
É o chamado “capitalismo de stakeholders” (a empresa focada em contribuir para o desenvolvimento de toda a sociedade), em oposição ao tradicional “capitalismo de shareholders” (foco exclusivo no resultado dos acionistas).
Trata-se de um conceito relativamente novo que, na prática, esbarra em um obstáculo: como avaliar se uma companhia possui boas práticas ESG?
Algumas grandes empresas de investimento desenvolveram as suas próprias réguas e metodologias para fazer essa análise. Mas uma iniciativa do Fórum Econômico Mundial buscou uniformizar os critérios e as métricas que devem ser observados.
As boas práticas ESG
O trabalho teve início em janeiro e acaba de ser concluído. Foram mais de seis meses de consultas e discussões, com a contribuição de 120 das maiores corporações internacionais, além de analistas, consultores e investidores.
A conclusão do esforço está resumida no documento Measuring Stakeholder Capitalism. Para aferir a sustentabilidade de uma empresa e seu compromisso com um capitalismo de stakeholders, o Fórum Econômico Mundial sugere que devem ser observadas 55 métricas (21 principais e 34 complementares). Essas métricas dividem-se em quatro pilares: princípios de governança, pessoas, planeta e prosperidade.
Os 4 pilares da sustentabilidade
1. Princípios de governança: São o propósito de uma empresa, o seu comportamento ético e sua transparência. Avalia critérios como a ética empresarial, o combate à corrupção e a práticas desleais, o gerenciamento de riscos.
2. Planeta: Avalia a dependência de uma empresa em relação a recursos naturais e qual o impacto dela no ambiente. Analisa fatores como políticas de gestão de resíduos, fontes energéticas e consumo de água.
3. Pessoas: Afere, essencialmente, como a empresa cuida de seus empregados. Alguns dos critérios analisados neste pilar são a diversidade, as oportunidades de ascensão, as diferenças salariais e o investimento na qualidade de vida e na formação dos funcionários.
4. Prosperidade: Avalia como a companhia afeta o bem-estar da sociedade. Aqui são observados indicadores como o crescimento no número de colaboradores, investimento em tecnologia e na expansão da capacidade produtiva.
Como usar as métricas
A sugestão é que as empresas façam um balanço, em seus relatórios anuais, sobre quais foram as suas ações com respeito aos quatro pilares e aos 55 indicadores. Diz o documento do Fórum Econômico Mundial: “Ao prestar contas sobres essas métricas – e integrá-las em sua governança, na sua estratégia de negócios e na sua administração –, a empresa demonstra aos seus shareholders e stakeholders a sua preocupação em avaliar todos os riscos e oportunidades pertinentes ao seu negócio”.
Segundo o Fórum Econômico Mundial, as corporações capazes de alinhar os seus objetivos com os objetivos de uma sociedade, como aqueles articulados nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, são as mais preparadas para criar valor a longo prazo. Elas produzem resultados positivos para os negócios, para a economia, para a sociedade e para o planeta. “Esta é a verdadeira definição do capitalismo de stakeholders”, afirma o documento.
Capitalismo stakeholder no Brasil
No Brasil, a sociedade civil e algumas empresas já se mobilizaram para essa nova maneira de entender como deve funcionar o ambiente empresarial. O mundo político, em sua maior parte, ainda não. É preocupante, porque o setor público é um ator essencial. É ele que cria o arcabouço institucional e é ele que deve atuar para que as regras sejam cumpridas – como, por exemplo, na questão do combate ao desmatamento.
O Brasil, dono da maior riqueza natural do mundo, deveria estar liderando essa transformação, mas a arrogância e a ignorância do governo enxotam oportunidades de investimento. É desperdiçar recursos que poderiam elevar o país a um novo patamar de desenvolvimento, como analisa o livro Paraíso Restaurável, de Jorge Caldeira, Julia Marisa Sekula e Luana Schabib.
A sociedade civil precisa continuar exercendo pressão, exigindo ação e transparência tanto do setor público como do setor privado. As métricas sugeridas pelo Fórum Econômico Mundial são um bom roteiro para avaliar se as empresas brasileiras estão em sintonia com os novos tempos.