No cenário de privatizações para obras e serviços hoje monopolizados pelo Estado brasileiro, no qual é fundamental garantir a vinda e permanência os investidores, cresce sobremaneira o papel das agências reguladoras.
É um alento para o Brasil a intenção do Governo Federal de dar o pontapé inicial em um amplo processo de privatizações. O maior gargalo para o crescimento econômico sustentável no Brasil é a infraestrutura precária. Com 93% do orçamento comprometido com gastos constitucionais obrigatórios não sobra dinheiro para investir em infraestrutura. O dinheiro precisa vir da iniciativa privada. A iniciativa privada não se mexe sem segurança jurídica e retorno financeiro compatível com os riscos. No ambiente de negócios em que as privatizações vão atrair empresas privadas para obras e serviços hoje monopolizados pelo Estado brasileiro, cresce sobremaneira o papel das agências reguladoras. Cabe a elas mediar com sabedoria as relações entre os interesses dos pagadores de impostos com a segurança jurídica necessária para garantir a vinda e permanência os investidores.
Mas será que as agências estão prontas para os desafios que se apresentam? O plano de abertura do setor de transporte e distribuição de gás aprovado em junho é o desafio mais presente para a agência encarregada de manter o bom ambiente de negócios nesse setor. A estimativa é que a iniciativa privada passe a responder por uma maior fatia do mercado, ajudando a ampliar em até 85% a produção de gás em uma década com redução de 45% no preço final do produto. Esse objetivo só será atingido se o papel da agência reguladora for bem calibrado.
As agências reguladoras hoje
Há duas respostas sobre a capacidade das agências reguladoras diante desse novo cenário. A primeira olha para o nosso passado recente e identifica um leque de problemas que impede a boa governança, prejudicando a tomada de decisão, e gerando atrasos nos investimentos do setor privado. Para se ter uma ideia, o Governo Federal leva até 188 dias em média para enviar a mensagem para o Senado, com o nome do dirigente para ocupar o lugar de um outro que deixou o cargo. A escolha deveria ser rápida, mas se prolonga por seis meses ou mais.
O cenário indica ainda que um em cada cinco dirigentes não cumpre o mandato e uma das causas principais seria a troca de Governo, segundo estudo da FGV Direito SP, que analisou o perfil dos dirigentes de 18 agências, sendo seis delas federais. Ou seja, toda vez que muda o comando do País, enfrentamos atrasos nas agências. Até 2017, quando o estudo da FGV foi concluído, a vacância atingia diretamente algumas das nossas principais agências. A ANEEL, por exemplo, já havia totalizado 3,8 anos de vacância, enquanto a ANTT somava 20,7 anos.
A paralisia decisória
Com relação à paralisia decisória, que dificulta o planejamento dos investidores e, consequentemente a melhoria dos serviços, seria possível alguma medida para contornar esse problema? Por exemplo, imagine que uma agência demore muito tempo para tomar uma decisão sobre um investimento das empresas em um setor crucial para a sociedade, por que não estabelecer regras que, em caso de demora excessiva, ficaria o investidor autorizado a prosseguir com seu plano de trabalho?
Para a professora Patrícia Sampaio, da FGV Direito Rio, essa alternativa precisaria ser mais bem discutida. Segundo ela, há casos de obras ou serviços com menor impacto na sociedade que, a depender da situação, poderia se pensar em um mecanismo que desse maior celeridade ao processo, mas para a professora, há situações que a discussão técnica precisa ser mais profunda:
“Em situações de baixo impacto social talvez fosse possível adotar um dispositivo dessa natureza, que autorizasse a realização de uma obra ou investimento sem um longo e demorado processo de decisão da agência. Mas é preciso tomar cuidado porque os setores apresentam diferentes níveis de complexidade, muitos deles com alto impacto na sociedade, portanto, com a necessidade de que haja uma discussão e análise mais detalhada.”
O novo marco legal das agências reguladoras
Mas qual seria então a segunda resposta para a situação das agências? Ela é, por enquanto, uma expectativa baseada na Lei 3848, sancionada em junho pela Presidência de República. A lei, considerada o marco legal das agências, define novos elementos para a gestão, a organização e processo decisório desses órgãos, com foco na melhoria da sua governança. Ou seja, a lei assegura a autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira das agências. Por conta disso, a nova regra tem sido considerada um passo importante para padronizar o funcionamento desses órgãos por dar também maior transparência nos processos das agências e limitação das indicações políticas. Dirigentes partidários e parentes de políticos não poderão ser nomeados para as agências.
Atualmente o Governo Federal tem 11 agências reguladoras, a primeira delas, Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), foi criada no contexto da privatização das telecomunicações na década de 90. De lá para cá, outras dez foram criadas para regular setores da infraestrutura como energia, aviação, vigilância sanitária entre outras áreas. Pela nova lei, o Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU), fará o controle externo das agências, que ficam obrigadas a apresentar, todos os anos, um relatório das suas atividades. Os dirigentes terão que prestar contas pessoalmente ao Senado.
Se o plano de privatizações do Governo federal sair de fato do papel e o novo marco legal as agências entregar o que promete, é possível falar em um ambiente de negócios mais previsível para os investidores interessados em assumir atividades hoje controladas pelo Estado e, em contrapartida, um cenário com maior garantia de melhora na prestação dos serviços contratados.