A pandemia mostrou que a economia global demandará líderes comprometidos em reconstruir um mundo onde o destino da nação estará cada vez mais atrelado à qualidade das decisões globais e da ações locais. Países ricos e pobres serão igualmente afetados por problemas que exigirão maior coordenação e cooperação, como o enfrentamento da desigualdade social. Não é um cenário para lideranças medíocres e populistas, como as que se vê hoje no Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Rússia e Itália.
A crise do Covid-19 já levou à morte mais de 10.000 brasileiros. Trata-se da maior tragédia dos últimos 100 anos. Enquanto o país caminha para o colapso da saúde pública, o presidente Bolsonaro pressiona o Supremo Tribunal Federal e os governadores para relaxar a quarentena e aproveita o fim de semana para passear de jet-ski em Brasília.
O número chocante de mortes no Brasil reflete apenas um reflexo macabro de países governados por populistas que ignoram a ciência e a gravidade dos fatos. Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Rússia e Itália se enquadram nessa categoria. Além do número desolador de óbitos, a fanfarrice dos populistas causa profundos efeitos colaterais.
Nos Estados Unidos, mais de 20 milhões de pessoas estão desempregadas; um recorde que supera a marca histórica da Grande Depressão de 1929. No Brasil, o desemprego deverá atingir um número recorde no fim de junho. Um estudo do Ibre-FGV estima que o desemprego no Brasil deve chegar a 17,8% da força de trabalho. Isso significa que em torno de 16 milhões de brasileiros estarão desempregados até o final do segundo semestre.
Enquanto Bolsonaro e Trump colecionam números recorde de mortes e de desempregados, países governados por gente séria, começam a vislumbrar a vida após a fase aguda da crise do Covid-19. Alemanha, Portugal e Dinamarca, por exemplo, são países cujos governantes revelaram na crise as virtudes que se esperam de líderes públicos: capacidade de mobilizar as pessoas para enfrentar a dura realidade de maneira responsável; habilidade de demonstrar por meio de suas atitudes equilíbrio, confiança e firmeza para conduzir o país; competência para coordenar as ações de governo nacional com entes subnacionais e a sociedade civil na implementação de medidas emergenciais.
Populistas, ao contrário, minimizam o problema, buscam bode expiatórios para culpar o desfecho da crise e, quando se pronunciam, costumam aumentar a tensão, a insegurança e o senso de desorientação da população.
Reconstrução com nova mentalidade
A reconstrução da nova ordem mundial após a crise do Covid-19 demandará uma nova mentalidade. No fim da Segunda Guerra Mundial, o presidente Franklin Roosevelt ajudou a forjar uma nova mentalidade de cooperação e de coordenação dos países para resolver as questões políticas, econômicas e militares, criando instituições multilaterais como as Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Mais poder local
No mundo pós Covid-19, vamos ter de fundir Roosevelt com Montoro. Franco Montoro foi um estadista brasileiro que defendia a importância dos governos locais. Ele argumentava que o poder precisava ser descentralizado a fim de fortalecer a autonomia dos prefeitos. Montoro tinha razão. O poder tem de estar onde estão os problemas cotidianos que afligem as pessoas. Se as democracias pretendem reconquistar a confiança dos cidadãos é preciso esvaziar o poder de Brasília e de Washington DC e dar mais poder para estados e municípios.
O poder local obriga os governantes a resolver problemas ao invés de transformar a política numa cruzada ideológica que serve apenas para fomentar o radicalismo, a polarização e distanciar o governo da resolução dos reais problemas.
Maior coordenação e cooperação
No mundo pós Covid-19, os governos nacionais terão de se voltar para as questões globais. Vamos ser obrigados a radicalizar a aspiração multilateral de Roosevelt. Teremos de criar um novo Bretton Woods para tratar não só da nova ordem financeira, como também do redesenho da nova ordem internacional. Países ricos e pobres são igualmente afetados por problemas globais que exigirão maior coordenação e cooperação entre as nações para enfrentarmos os grandes desafios da nossa era: desigualdade social, imigração, problemas ambientais, segurança cibernética, epidemias, terrorismo, proliferação de armas nucleares, crises econômicas e desafios à paz mundial.
A ausência de coordenação e de articulação entre as nações no enfrentamento da crise do Covid-19 revelou as consequências desastrosas para as pessoas, para a economia e para a saúde pública de quase todos os países.
Os grandes desafios mundiais exigem soluções globais e coordenação internacional para implementá-las. Políticas nacionalistas e decisões domésticas unilaterais num mundo cada vez mais interconectado são geralmente ineficientes, inócuas e – em alguns casos – trágicas.
O problema é como criar um novo Bretton Woods com lideranças medíocres e populistas no poder. Só há uma solução: esperar que a crise do Covid-19 abra os olhos dos eleitores para as consequências desastrosas das políticas populistas e nacionalistas e os levem a eleger uma nova safra de líderes comprometidos em construir um mundo onde o destino da nação está cada vez mais atrelado à qualidade das decisões globais e da ações locais.