Artigo de Eduardo Deschamps| Doutor em Engenharia, professor da Universidade Regional de Blumenau e do Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP. Conselheiro do CEE-SC, foi Presidente do CNE entre 2016-2018.
Existem 193 países no mundo, diz a ONU. Destes, apenas vinte adotam o federalismo como forma de Estado. O Brasil é um deles, mas com uma peculiaridade: além dos estados, a Constituição de 1988 alçou os municípios brasileiros à condição de ente federado.
Para o bom funcionamento de uma federação, a distinção entre as políticas federais (ações de responsabilidade exclusiva da União) e as políticas nacionais (as executadas pelos entes subnacionais por meio da coordenação da União) deve estar clara. Sem essa definição, a tendência é a centralização de ações no ente mais forte. Quando a maior parte da arrecadação de impostos e taxas é feita pelo governo federal, como no caso brasileiro, a União adquire poder desproporcional.
Políticas públicas pelos entes federados
Outro fator da complexidade brasileira está na responsabilidade dos estados e municípios na execução de políticas públicas, em particular nas áreas de saúde e educação. Assim, a falta de compreensão do papel de cada ente federado pode levar à perda de eficiência na resolução de problemas, ao desperdício de recursos públicos e à má qualidade de serviços essenciais prestados ao cidadão.
Na coordenação das políticas nacionais de saúde, felizmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) é eficaz, mesmo com a famigerada carência de recursos. As bem-sucedidas campanhas de vacinação e a queda na taxa de mortalidade infantil são exemplos de ações coordenadas em nível nacional que dificilmente seriam alcançadas sem efetiva governança de caráter federativo, dadas as dimensões e a diversidade regional do País. No caso da educação, entretanto, tal governança não está institucionalizada.
Falta de clareza na educação
A Constituição e a Lei de Diretrizes a Bases da Educação Nacional distribuem as responsabilidades entre os três entes federados. A União é responsável pela coordenação da educação nacional e pela oferta e regulação prioritariamente do Ensino Superior; os estados, pela oferta e regulação do Ensino Médio (para alunos de 15 a 17 anos) e os municípios pela Educação Infantil (de 0 a 5 anos). Já a responsabilidade pelo Ensino Fundamental (de 6 a 14 anos) é compartilhada entre estados e municípios. Aqui começam as dificuldades geradas pela ausência de clareza na legislação.
A redistribuição dos recursos do Fundeb, principal fonte de financiamento da educação no Brasil, se dá pelo número de matrículas em cada etapa da Educação Básica. Assim, escolas estaduais e municipais travam verdadeira disputa pelas matrículas do Ensino Fundamental, levando à ineficiência do sistema educacional.
Além disso, a União tem por lei as funções redistributiva e supletiva de recursos, que nem sempre são feitas de maneira adequada. Assim, localidades já bem servidas têm aporte de recursos em detrimento de outras com índices muito aquém do desejado e necessário.
A nova legislação do Fundeb corrige boa parte dos desequilíbrios na distribuição de recursos. Porém, ainda há enorme carência de suporte técnico para a implementação de políticas educacionais exitosas por cada ente federado.
Sistema Nacional de Educação
O Plano Nacional de Educação 2014-2024 estabeleceu que o poder público deveria criar, em lei específica, o Sistema Nacional de Educação. A instituição seria responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação. No entanto, esta lei ainda não foi aprovada.
No momento tramita no Senado, já com relatório emitido pelo senador Dário Berger (MDB-SC), projeto de lei que aponta, entre outros aspectos, para a criação de uma governança articulada entre os entes federados formada por uma comissão tripartite para a discussão de políticas de caráter nacional, e comissões bipartites nos estados para a articulação de políticas e programas de caráter regional. O estabelecimento efetivo deste sistema é urgente.
Ainda que ações articuladas entre União, estados e municípios já ocorram de tempos em tempos, a atuação orgânica nos assuntos de impacto nacional depende da boa vontade e do conhecimento do funcionamento do sistema educacional. Sem essa legislação, corre-se o risco de entendimentos equivocados, como o do ministro da Educação em entrevista recente. Milton Ribeiro afirma, por exemplo, que o MEC não precisa resolver a falta de acesso à internet de alunos que não conseguem acompanhar aulas on-line, e se exime da responsabilidade pela reabertura de escolas. O papel da pasta, na visão do ministro, é repassar recursos e divulgar um protocolo de segurança.
De fato, o MEC não é o responsável pela execução dessas ações. No entanto, tratar o problema de forma isolada nos estados e municípios elevará brutalmente a desigualdade já existente no sistema educacional brasileiro. O slogan do atual governo federal, “menos Brasília e mais Brasil”, está coadunado com o conceito de um país federativo. Mas “menos Brasília” não deve ser entendido como abandono. Portanto, enquanto a Lei do Sistema Nacional de Educação não for aprovada, cabe ao MEC o papel de coordenação e articulação nacional para superar as desigualdades operacionais.
É fundamental que a União tenha participação na coordenação das políticas de caráter nacional, sempre de forma articulada com estados e municípios. A institucionalização do Sistema Nacional de Educação permitirá a construção de um pacto federativo para garantir educação de qualidade a todos os brasileiros.
LIDERANÇA E GESTÃO PÚBLICA | QUEM É QUEM
Professores do Máster em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP

Patricia Tavares
Doutora em Administração pela FGV, Visiting Fellow of Practice da Blavatnik School of Government, Universidade de Oxford. Co-fundadora e sócia da Datapedia.info, a maior plataforma de dados sócio-econômicos e eleitorais do país. Consultora e Professora do Insper e do CLP.
Humberto Dantas
Doutor em ciência política pela USP, pesquisador pós-doutorando em administração pública pela FGV-SP. Head de Educação do CLP e coordenador do MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Antônio Napole
Administrador de empresas pela FGV-EAESP, bacharel em Rádio TV pela FAAP e mestrando em jornalismo nas Cásper Líbero. Napole é professor do MLG e vice presidente da Kaiser Associates, consultoria de estratégia.
Fernando S. Coelho
Doutor em administração pública pela FGV, professor de gestão pública da EACH-USP. Docente-colaborador do Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Diego Conti
Doutor em administração pela PUC-SP e pela Leuphana Universität Lüneburg (Alemanha) em governança urbana e sustentabilidade. Mestre em administração pela PUC-SP com pesquisa sobre indicadores de sustentabilidade. Consultor internacional, pesquisador e professor de pós-graduação do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE e professor associado do CLP – Liderança Pública.
Denilde Holzhacker
Doutor em ciência política pela USP. Foi visiting scholar no Bentley University, (MA, Estados Unidos). Professora na ESPM-SP e coordenadora do Legislab-ESPM. Integra a rede de professores MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Vinícius Müller
Doutor em História Econômica, colaborador da Revista Digital Estado da Arte, do Estadão, e professor do INSPER e do CLP. Autor de Educação Básica, Financiamento e Autonomia Regional (Ed. Alameda)
Rodrigo Estramanho
Bacharel em Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (ESP), Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP. É professor na FESPSP e no MLG, pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP) da PUC/SP e psicanalista membro do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
Humberto Falcão Martins
Professor da EBAPE/FGV e EAESP/FGV, visiting fellow na London School of Economics. Fundador do Instituto Publix. Foi Secretário de Gestão no Min. do Planejamento, delegado do Brasil no Comitê de Gestão Pública da OCDE e Presidente da Rede de Gestão Pública e Transparência do BID. Bacharel em Administração pela UnB, Mestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP) e Doutor em Administração pela EBAPE/FGV.
Eduardo Deschamps
Doutor em Engenharia pela UFSC, Professor da Universidade Regional de Blumenau – FURB e do MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP. Conselheiro do CEE-SC. Presidente do CNE (2016-2018).
Gabriela Lotta
Doutora em ciência política pela USP, professora de administração pública pela FGV EAESP. Coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB/FGV).