
LIDERANÇA e GESTÃO PÚBLICA
*Professores do MLG – Máster em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP
Artigo de Patricia Tavares |Co-fundadora e sócia da Datapedia.info. Consultora e Professora do Insper e do CLP.
É preciso navegar paradoxos
No setor privado, estar aberto ao processo de tentativas e erros tem sido muito valorizado, ainda mais nas empresas de tecnologia. Erre bastante, rápido e barato. Abra mão de controlar todo o processo e de planejar tudo com antecedência. O ano de 2020 acelerou essa máxima no setor privado e abriu novas perspectivas no setor público.
É possível que livros de história indiquem 2020 como novo marco da humanidade. Talvez um novo AC-DC (Antes e Depois do Corona), dada a velocidade de mudanças que estão ocorrendo em várias frentes e ao mesmo tempo, do uso da telemedicina como possível solução de diagnóstico, do home office em empresas que proibiam essa prática. Mas a escolha de 2020 como o “ano zero” omite um processo em andamento há mais tempo no mundo todo: o de transformação digital.
Transformação digital
No final da década de 90, empresas e governos começaram a identificar mudanças que a tecnologia poderia propiciar, como a interação em comunidades virtuais (do extinto Orkut) e o surgimento do comércio eletrônico (com a Amazon).
Nesses últimos 20 anos, a cada nova tecnologia que se tornava mais “amigável” e, portanto, mais disponível para a sociedade, consumidores e cidadãos pressionavam as empresas para que modificassem sua forma de atuação e sua proposta de valor.
A Estônia, após o desligamento da extinta União Soviética, tornou-se exemplo desse processo no setor público. Desde 1994, o país vem se transformando para criar uma sociedade com maior transparência, confiança e eficiência. Hoje, ele é reconhecido como a primeira sociedade digital no mundo, com 99% dos serviços oferecidos em um ecossistema on-line. Está lá, escrito no site do governo: “Aprendemos que o desenvolvimento de e-soluções não é simplesmente adicionar algo (camadas digitais), mas mudar tudo” (tradução nossa).
A onda de transformações de geração de valor afeta todos os setores. Mas não ao mesmo tempo. A lógica do vórtex digital ajuda a entender como cada setor foi sendo impactado por essas mudanças de maneira crescente. Elas trouxeram muitos paradoxos ao ambiente organizacional, conflitos e questionamentos de paradigmas e até mesmo da razão de existir.
Transformação digital NÃO é sobre tecnologia. É sobre uma nova proposta de valor que as tecnologias permitem vislumbrar. Essa nova proposta altera a lógica de atuação e pressiona por mudanças na arquitetura organizacional e no perfil de profissionais requisitados.
Transformação digital é um tema a ser mais explorado, especialmente no governo como plataforma. Mas não neste pequeno artigo. Aqui, a ideia é explorar uma outra face desse “cubo mágico”.
A habilidade de navegar paradoxos
Um aspecto constante desse turbulento período de transformação nas empresas e nos governos são as mudanças que exigem profissionais com habilidades específicas, aquelas para navegar – já que não se resolvem – paradoxos. É esse aspecto que exploro aqui.
Para lidar e liderar em um mundo complexo e mutável, as pessoas têm que ser capazes de pensar e de agir reconhecendo a coexistência de múltiplas perspectivas. Para isso, ter um modelo mental que abrace escolhas do tipo “AMBOS | E”, e não as do tipo “OU”, se torna um requisito. Quem gosta muito de certezas sofre bastante com isso.
Para liderar nesse contexto é imprescindível articular pontes entre os diferentes atores desse ecossistema e construir parcerias de transformação dentro e fora da organização. São necessários pensamento crítico e sistêmico e habilidades políticas de interação social.
O processo de transformação da proposta de valor não tem playbook. Assim, a construção do caminho é feita por meio de tentativas e de soluções temporárias – até o próximo “pivotar” –, enquanto a organização continua a entregar seus produtos e serviços. Esse caminho apresenta desafios que requerem resiliência e agilidade para aprender com os equívocos – e uma habilidade chamada ambidestria.
Estar aberto ao processo de tentativas e erros (ou protótipos e testes) força o gestor a abrir mão da lógica de comando e controle. A pandemia, por exemplo, forçou os sistemas a ter mais velocidade de resposta; essa pressão por velocidade levou a um aumento da autonomia na ponta (descentralização) e ao aumento da própria complexidade a ser gerenciada (pressionando a arquitetura organizacional). Pense no professor tendo que “se virar” para dar aulas remotas com crianças e gatos na sala. Requisito para o gestor? Capacidade de tolerar incertezas e conviver com ambiguidades. Neste caso, a “taxa de vaidade” da liderança também afeta a agilidade/velocidade de resposta.
Iterar e lidar com erros. Mover-se rápido para novas hipóteses. Construir pontes com atores diversos mantendo a criatividade para lidar com cenários do tipo “ambos/e”. Se a tecnologia tem acelerado e possibilitado a criação de modelos de atuação e de geração de valor nunca antes imaginados, o período requer uma reflexão sobre o novo papel de liderança nesses processos nos governos ou nas empresas.
Analisando os requisitos apresentados aqui, coletados em interações com executivos, acadêmicos e headhunters, tenho uma clareza em tempos tão incertos: autoconhecimento é o novo “inglês fluente” como requisito para líderes.
Quem é quem?
*Professores do Máster em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP
Patricia Tavares
Doutora em Administração pela FGV, Visiting Fellow of Practice da Blavatnik School of Government, Universidade de Oxford. Co-fundadora e sócia da Datapedia.info, a maior plataforma de dados sócio-econômicos e eleitorais do país. Consultora e Professora do Insper e do CLP.
Humberto Dantas
Doutor em ciência política pela USP, pesquisador pós-doutorando em administração pública pela FGV-SP. Head de Educação do CLP e coordenador do MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Antônio Napole
Administrador de empresas pela FGV-EAESP, bacharel em Rádio TV pela FAAP e mestrando em jornalismo nas Cásper Líbero. Napole é professor do MLG e vice presidente da Kaiser Associates, consultoria de estratégia.
Fernando S. Coelho
Doutor em administração pública pela FGV, professor de gestão pública da EACH-USP. Docente-colaborador do Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Diego Conti
Doutor em administração pela PUC-SP e pela Leuphana Universität Lüneburg (Alemanha) em governança urbana e sustentabilidade. Mestre em administração pela PUC-SP com pesquisa sobre indicadores de sustentabilidade. Consultor internacional, pesquisador e professor de pós-graduação do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE e professor associado do CLP – Liderança Pública.
Denilde Holzhacker
Doutor em ciência política pela USP. Foi visiting scholar no Bentley University, (MA, Estados Unidos). Professora na ESPM-SP e coordenadora do Legislab-ESPM. Integra a rede de professores MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP.
Vinícius Muller
Doutor em História Econômica, colaborador da Revista Digital Estado da Arte, do Estadão, e professor do INSPER e do CLP. Autor de Educação Básica, Financiamento e Autonomia Regional (Ed. Alameda)
Rodrigo Estramanho
Bacharel em Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (ESP), Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP. É professor na FESPSP e no MLG, pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP) da PUC/SP e psicanalista membro do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
Humberto Falcão Martins
Professor da EBAPE/FGV e EAESP/FGV, visiting fellow na London School of Economics. Fundador do Instituto Publix. Foi Secretário de Gestão no Min. do Planejamento, delegado do Brasil no Comitê de Gestão Pública da OCDE e Presidente da Rede de Gestão Pública e Transparência do BID. Bacharel em Administração pela UnB, Mestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP) e Doutor em Administração pela EBAPE/FGV.
Eduardo Deschamps
Doutor em Engenharia pela UFSC, Professor da Universidade Regional de Blumenau – FURB e do MLG – Master em Liderança e Gestão Pública do Singularidades-CLP. Conselheiro do CEE-SC. Presidente do CNE (2016-2018).
Gabriela Lotta
Doutora em ciência política pela USP, professora de administração pública pela FGV EAESP. Coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB/FGV).