A nova versão da PEC Emergencial é um mix ineficiente das PECs Emergencial, Pacto Federativo e Fundos Públicos. Uma tentativa de fazer os projetos andarem no Congresso ainda em 2020. Mera ilusão. As medidas “emergenciais” serão apreciadas, quiçá, depois do Carnaval. O Brasil precisa de sustentabilidade fiscal para superar as ameaças mais urgentes enquanto aprova as reformas estruturantes. Sem isso, não haverá retomada sólida dos investimentos privados nem da criação de empregos.
Até as emas do Alvorada e da Granja do Torto sabem que o governo, se não frear a gastança pública, muito em breve vai se espatifar na ribanceira do penhasco fiscal. É um acidente esperando para acontecer. Evitar esse desastre exige ações emergenciais de curto prazo conciliadas a reformas estruturantes de longo prazo. Apenas assim será possível adequar o nível das despesas ao total arrecadado.
Uma das medidas de curto prazo é a PEC Emergencial. A Proposta de Emenda à Constituição, entre outros pontos, estabelece limites para disciplinar os gastos públicos. O texto, por exemplo, restringe os reajustes de salários do funcionalismo e a contração de novos servidores. Originalmente apresentada há um ano, a PEC foi jogada de um lado para o outro, mexida, remendada e até agora nada de ser aprovada.
Outra PEC crucial na reorganização do estado brasileiro, a PEC do Pacto Federativo, teve sorte semelhante, bem como uma terceira, a PEC dos Fundos Públicos, que dispõe sobre a extinção de mais de 200 fundos setoriais arrecadados pelo governo federal, estados e municípios. Todas as propostas faziam parte do Plano Brasil Maior, apresentado em 2019 – e que, até hoje, não avançou um milímetro.
Nova versão da PEC Emergencial
Na tentativa de fazer os projetos andarem, o governo articulou com o Congresso para criar um texto substitutivo que incorporasse pontos das três PECs. Trata-se da nova versão da PEC Emergencial, apresentada pelo relator do substitutivo, o senador Márcio Bittar (MDB-AC). O texto traz gatilhos para corte despesas, prevê a eliminação de subsídios e extinção de fundos públicos – em resumo, um mix das três PECs.
Problema: a máquina de desidratação do Congresso reduziu drasticamente o alcance das reformas. A estimativa inicial do governo era de alcançar uma economia de até R$ 30 bilhões para os cofres públicos em 2021. A versão mais recente é bem mais modesta: prevê uma economia de R$ 450 milhões – ou 1,5% do que imaginava o Ministério da Economia. Paulo Guedes terá que arregaçar as mangas e lutar por uma reformulação do substitutivo ou, do contrário, necessitará de medidas adicionais para reequilibrar as finanças federais e impedir que o teto de gastos não seja furado.
Mas nem a desidratação maciça foi capaz de contornar a falta de consenso. Foi a pique a última tentativa de ver o projeto aprovado ainda neste ano, e apenas em 2021, provavelmente no longínquo mês de fevereiro, as medidas “emergenciais” serão apreciadas.
Esse é o resultado acabado da incapacidade política do governo federal. Por incompetência ou desinteresse, deixou tudo para a última hora, em um momento no qual o Congresso está paralisado pelas disputas em torno da sucessão nas presidências da Câmara e do Senado.
Se tudo é prioridade, nada é prioridade
O resultado frustrante atesta a falta de liderança do governo e o seu parco compromisso com as reformas estruturantes. É exemplo também daquilo que Virtù alertou no editorial Cinco reformas cruciais em um único pacote: “quando tudo é prioridade, nada é prioridade”. Como afirma o texto, reformas importantes “exigem atenção e cuidado especial por parte do governo e dos parlamentares reformistas para evitar que as resistências políticas, os interesses imediatistas e o núcleo duro dos oposicionistas –que recorrerão aos recursos regimentais no Congresso para frear as mudanças –, triunfem em frear, diluir ou dilapidar as medidas”.
Se existe algo a ser comemorado é o fato de, ao menos, não terem sido abertas as portas para novas despesas. De acordo com uma reportagem do Poder 360, com base em estatísticas do Tesouro Nacional, pelo menos 8 estados e o Distrito Federal serão obrigados a enxugar o orçamento e suspender a contratação de novos servidores, porque seus gastos já estouram o limite de 95% das receitas. Em outros 14 estados o percentual supera 85%, e, pelo texto da PEC, podem propor medidas emergenciais de austeridade com respaldo constitucional. A ideia é acelerar os ajustes que muitas vezes são barrados nas Assembleias estaduais e nas Câmaras municipais.
Mas as medidas mais duras foram extirpadas da versão mais recente do texto. A maior contribuição para o ajuste fiscal será a eliminação de parte dos subsídios fiscais no decorrer dos próximos cinco anos. Além disso, os gatilhos de corte de gastos precisam ser acionados quando as despesas atingem 95% das receitas. De acordo com estimativas do economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, são iniciativas insuficientes para cumprir o teto de gastos nos próximos dois anos.
Ficaram de fora do texto medidas como a desindexação de despesas específicas e a possibilidade de reduzir a jornada e o salário dos servidores em até 25%. Foi por terra, assim, o desejo de Paulo Guedes de aprovar os 3Ds: desvincular, desindexar e desobrigar despesas. Fundos públicos que poderiam ser eliminados agora serão mantidos, como o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé).
A votação da PEC Emergencial ainda é incerta, mas seus resultados, na atual configuração, ficarão bem distantes das promessas originais. A PEC 3 em 1 terá soma zero. Os problemas continuarão do mesmo tamanho. Como o adiamento da votação, abre-se uma oportunidade para aprofundar as medidas de ajuste fiscal. É lamentável, de qualquer maneira, que algo tão essencial para a estabilidade econômica tenha sido tratado com tanto descaso.
O Brasil precisa de medidas emergenciais de sustentabilidade fiscal para superar as ameaças mais urgentes enquanto aprova as reformas estruturantes. Sem isso, não haverá uma retomada sólida dos investimentos privados nem da criação de empregos.