A PEC Emergencial, proposta de emenda constitucional que cria mecanismos de controle das despesas públicas, é um projeto essencial para o equilíbrio nas finanças federais. Sem a sua aprovação, será ainda mais desafiadora a missão de encontrar espaço no Orçamento para investir em políticas sociais, como a prorrogação do Auxílio Emergencial.
A votação da PEC Emergencial no Senado, prevista para hoje (quinta-feira), poderá ser adiada, em razão das negociações de última hora. Mas é preciso superar os impasses e ver a PEC aprovada logo. Será um primeiro e importante passo rumo à sanidade fiscal.
Se fosse mantido o projeto inicial, apresentado originalmente em 2019, a economia com a PEC poderia chegar a R$ 78 bilhões nos próximos dez anos, de acordo com estimativas de uma nota técnica produzida pelo Centro de Liderança Pública (CLP).
No toma-lá-dá-cá de Brasília, o texto acabou diluído pelo relator Marcelo Bittar (MDB-AC). Agora, segundo cálculos do CLP, a economia ficará ao redor de R$ 35 bilhões. Foi dissipado mais da metade de seu impacto, o que significa que outros ajustes em discussão, como a reforma administrativa, terão que ser ainda mais duros, para evitar o descontrole da dívida pública.
Na última versão do texto da PEC Emergencial, ficou de fora o dispositivo que permitiria reduzir o salário e a jornada do funcionalismo público em até 25%. Seria uma medida excepcional e provisória, a exemplo do que foi feito na iniciativa privada. Os funcionalismos, porém, continuarão mantidos sob a sua retomada de vidro, protegidos das intempéries que afligem os cidadãos comuns. Jair Bolsonaro e o todo-poderoso Centrão preferem não comprar essa briga.
Ainda assim, se aprovada, a PEC permitirá que o governo cumpra o teto de gastos em 2021 e em 2022. O ajuste será feito, essencialmente, por meio de ações como o congelamento de reajustes de servidores e suspensão de contratações. O efeito de curto prazo nos gastos foi diluído, mas, em compensação, o governo tenta manter no texto os dispositivos destinados a desengessar o orçamento e dar mais flexibilidade à administração de gastos e despesas. Seria uma primeira tentativa de conquistar aquilo que Paulo Guedes chama de os “3 Ds”: desvincular, desobrigar e desindexar o Orçamento. Não será uma batalha fácil.
Gastos obrigatórios e discricionários
Hoje 98,5% de todos os recursos previstos no Orçamento são consumidos com gastos obrigatórios, entre eles os salários de servidores e aposentadorias, ou com despesas indexadas, sobretudo na educação e na saúde. Sobra um mísero 1,5% de recursos livres (discricionários) para o governo realizar investimentos na infraestrutura ou aplicar no combate a emergências sociais.
Como diz o relatório de fevereiro do Instituto Fiscal Independente (IFI), trata-se de “um cenário muito restritivo para os gastos discricionários” porque há “pouco espaço para investimentos em infraestrutura, dificuldade para cumprir o piso constitucional em saúde e necessidade de racionalizar custeio administrativo”.
Para ampliar a margem de manobra do governo, a PEC traz a proposta de reduzir subsídios e subvenções fiscais. De acordo com o governo, com a redução pela metade dessas reduções tributárias para setores específicos será possível ampliar a arrecadação em até R$ 100 bilhões ao longo dos próximos oito anos. Com menos renúncias fiscais, seria possível reduzir impostos de maneira horizontal para todos os brasileiros e reforçar o caixa público, diminuindo o déficit orçamentário.
A PEC não trata apenas do governo federal. Ela poderá reforçar o caixa de estados e municípios, como demonstrou outra nota técnica do CLP (PEC Emergencial potencializa investimentos de estados e municípios). Pelo texto original, a economia para governos estaduais e prefeituras poderia ser de R$ 76 bilhões em dez anos; com a nova versão do projeto, a economia deverá ser de R$ 34 bilhões.
Auxílio sim, mas com responsabilidade
Por mais nobre e necessário que seja amparar os mais pobres neste momento, a extensão do auxílio precisa ser feita de maneira que não aprofunde o déficit nas contas públicas. Se a dívida federal não for controlada, uma crise econômica ainda mais severa vai castigar o País, aprofundando a crise social.
O aumento de gastos sociais precisa necessariamente ser compensado com o corte em outras despesas, como na folha de pagamento do funcionalismo e nas renúncias tributárias. Daí a importância das reformas na gestão do setor público. Mas é importante também calibrar adequadamente o auxílio e fazer com que ele chegue a quem realmente necessite dele, sem desperdícios.
Nos moldes em discussão no Congresso, os custos da prorrogação do Auxílio Emergencial ficarão entre R$ 30 e R$ 40 bilhões, a depender do valor a ser pago e do número de parcelas. Fale-se no pagamento de R$ 300 por beneficiado durante quatro meses.
Uma proposta alternativa elaborada pelo CLP possibilita dar amparo aos mais vulneráveis e impedir o aumento da pobreza, mas sem estourar o teto de gastos. Haveria dos tipos de benefícios: (1) R$ 50 para cada membro de famílias beneficiárias do Bolsa Família e (2) R$ 100 para os demais beneficiários do Auxílio Emergencial em 2020 (com mães solteiras podendo dobrar o benefício). O custo mensal de tal extensão, como mostra a tabela abaixo, seria de R$ 8 bilhões, uma redução de quase 65% em relação à última fase do programa federal.
Segundo a técnica, a extensão do Auxílio Emergencial com o modelo proposto teria a capacidade de tirar, nesse início de ano, cerca de 2,7 milhões de brasileiros da pobreza e outros 2,5 milhões da pobreza extrema. “Desse modo, com um valor reduzido do gasto, tem-se ainda um impacto significativo do programa para evitar um aumento ainda mais dramático da vulnerabilidade social devido à pandemia”, diz o estudo.
Ampliar o amparo aos necessitados é um dever do Estado na conjuntara atual, porque senão mais de um terço dos brasileiros cairá na pobreza e na miséria. Mas, da mesma maneira, essa urgência social não pode ser usada como escudo contra as medidas de reequilíbrio fiscal. Os objetivos não são incompatíveis, como defendem alguns. A análise técnica do CLP e as propostas sugeridas são um exemplo disso. É possível sim combater as mazelas sociais sem furar o teto de gastos nem arruinar as finanças públicas.