As debêntures incentivadas já atraíram quase R$ 130 bilhões em capital privado para projetos de energia, telecomunicações, logística e saneamento. Um novo instrumento financeiro deverá ampliar ainda mais a captação de recursos
Para aumentar a sua produtividade e abrir a perspectiva de um crescimento sustentável de logo prazo, o Brasil depende da aprovação de reformas profundas na economia. Duas das mais relevantes são a tributária e administrativa. Mas reformas menores, quando bem-feitas, podem também trazer impactos expressivos. Um exemplo foi a aprovação das chamadas debêntures incentivadas, criadas para levantar recursos para projetos de infraestrutura.
As debêntures são títulos privados para o financiamento de empresas. No caso das incentivadas, elas foram lançadas em 2012 com o objetivo de ampliar a disponibilidade de capital para os projetos em telecomunicações, transportes, saneamento e energia. São “incentivadas” porque oferecem isenções de tributos para quem aplica dinheiro nesses papéis.
O resultado tem sido favorável. As emissões dessas debêntures alcançaram R$ 7,7 bilhões no primeiro trimestre do ano, mesmo em meio ao cenário de crise da Covid-19. Desde o lançamento dessa modalidade de investimentos, o total de recursos captados chega a quase R$ 130 bilhões.
Para os investidores, a vantagem é a maior rentabilidade dessas aplicações – ao redor de 5% ao ano acima da inflação medida pelo IPCA. Ou seja, é algo bastante vantajoso, no atual contexto de juros baixos e baixa rentabilidade de aplicações mais tradicionais, como a poupança, CDBs e fundos DI.
Para se enquadrarem na lei que concede benefícios tributários, as debêntures precisam emitidas por sociedades de propósito específico criadas para implementar “projetos de investimento em infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação considerados prioritários nos regulamentos emitidos pelo governo brasileiro”. Nos últimos meses, umas das áreas de destaque nas captações tem sido o saneamento, no embalado da aprovação do novo marco legal para o setor – os bons números, portanto, refletem o resultado da soma de duas reformas importantes.
Os dados são positivos, mas ainda modestos diante das necessidades do país. O investimento em infraestrutura como proporção do PIB ficou ao redor de 2,3% entre 1993 e 2018, enquanto na China ele representa 7% do PIB, e na Índia fica em 5,5%.
Como destaca uma nota técnica do Centro de Liderança Pública (CLP), o Brasil possui uma das menores taxas de investimento em infraestrutura quando se analisam as maiores economias emergentes. O percentual teria que ser elevado para ao menos 3,2% do PIB, para assim o País começar a desatar os gargalos históricos do atraso na infraestrutura. Isso representaria aplicar mais de R$ 200 bilhões ao ano em obras e projetos de logística, água, esgoto, energia e telecomunicações.
Uma parcela crescente desses recursos vira do mercado, diante das restrições de recursos dos governos e dos bancos públicos. Estima-se que as debêntures possam cobrir 40% do financiamento.
O PL das debêntures
O Projeto de Lei 2646/20, em tramitação no Congresso, institui uma nova modalidade de debênture também focada em irrigar os projetos de infraestrutura. É um dos 25 projetos defendidos pelo movimento Unidos pelo Brasil. Essas debêntures serão um instrumento para financiar projetos nas áreas de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), além da infraestrutura.
As novas debêntures da infraestrutura serão semelhantes às incentivadas, mas a principal diferença o fato que elas deverão ser destinadas a atrair os recursos de investidores institucionais, como fundos de pensão. Nas incentivadas, o foco são as pessoas físicas. Outra diferença: a companhia emissora das novas debêntures recebe o incentivo fiscal, ao contrário das debêntures incentivadas, em que o benefício é dado ao investidor que compra os títulos emitidos.
De acordo com o projeto, as emissoras das debêntures de infraestrutura poderão deduzir do lucro tributável até 30% do valor dos juros pagos no ano, sem prejuízo de outras deduções de juros previstas pela legislação. A dedução é ampliada para 50% caso a emissão das debêntures destine-se a financiar projetos de desenvolvimento sustentável (os chamados green bonds, ou títulos verdes), como energia renovável, controle de poluição e conservação da biodiversidade terrestre e aquática.
Para os investidores que adquirirem os títulos, a proposta prevê a tributação do rendimento segundo as mesmas alíquotas estabelecidas de IR para operações financeiras com renda fixa e renda variável (15% a 22,5%, dependendo do prazo de permanência dos recursos na aplicação).
Pelo exemplo bem-sucedido das debêntures incentivadas, as novas debêntures trazem o potencial de agregar bilhões valiosos aos projetos de infraestrutura. De acordo com as estimativas apresentadas na análise do CLP, esse novo instrumento financeiro poderá atrair recursos ao redor de R$ 27 bilhões ao ano. No longo prazo, os investimentos adicionais poderão elevar a taxa do crescimento do PIB em até 1,25 ponto percentual até 2025.
O PL 2645 encontra-se parado na Câmara, aguardando parecer do relator na Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público. Existem propostas para incluir outros setores para se valerem do benefício, como a iluminação pública e a gestão de resíduos. O projeto precisa caminhar com mais velocidade, para que o País possa se aproveitar da janela de oportunidades dos juros baixos. Como indicam as estimativas e a experiência com as debêntures incentivadas, pequenas reformas podem trazer impactos expressivos na atração de investimentos e na geração de emprego.