Chefes do Congresso se posicionam para destravar o desenvolvimento do País, enquanto o presidente ainda se vê envolvido com as pautas de costumes que orientaram a sua campanha eleitoral.
Sistemas presidencialistas são conhecidos pelos inúmeros dispositivos ao alcance do chefe do Executivo para coordenar e construir uma relação produtiva com o Poder Legislativo. Afinal, é preciso alcançar maiorias para levar a cabo o projeto de governo eleito pelas urnas. No Brasil, a alta fragmentação partidária produziu o que se convencionou chamar de “presidencialismo de coalizão”. O cálculo é pragmático. Como o partido do presidente dificilmente consegue sozinho formar maioria, é preciso buscar parceria com outras legendas, compartilhar poder e coordenar a direção dos trabalhos. Resumo: presidentes jogam papel central tanto na organização da agenda legislativa, porque tem recursos institucionais para isso, como também é diretamente responsável pelos resultados políticos alcançados pelo Governo.
Mas será sempre assim? O Brasil atual tem indicado que, em determinadas circunstâncias, o modelo pode sofrer adaptações, deixando para o Legislativo um papel preponderante na organização e votação de agendas importantes para o Brasil, a despeito do presidente da República que tem dificuldades de encarar e coordenar na sua base ou de promover agendas estruturantes. No dia a dia, os chefes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal têm se posicionado mais no sentido de aprovar as medidas para destravar o desenvolvimento do país, como a Reforma da Previdência e a discussão sobre a Reforma Tributária, enquanto o presidente ainda se vê envolvido com as pautas de costumes que orientaram a sua campanha eleitoral.
Mudanças recentes colocam Legislativo no centro do Poder
Há mudanças significativas aprovadas recentemente que colocam o Poder Legislativo no centro gravitacional do poder. No início de junho, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda à Constituição (PEC 34/19) do orçamento Impositivo de emendas de bancada, que prevê a sua execução obrigatória, a exemplo do que já ocorre com as emendas individuais. Foram 378 votos a favor e apenas 4 no segundo turno. Essa mudança reduz o poder discricionário do presidente de executar as emendas, ou seja, retira um instrumento importante do chefe do Executivo para coordenar a sua base no Legislativo.
Também em junho, o Senado derrubou o decreto presidencial que flexibilizava o porte de armas no país, medida apresentada por Bolsonaro durante a sua campanha. Outra medida do Legislativo foi a mudança da MP 870 sobre alocação do Coaf no Ministério da Economia, além de outra alteração sobre a alocação de terras indígenas, que sairia da Funai e iria para o Ministério da Agricultura.
Ao que tudo indica, o Legislativo vem tomando para si a responsabilidade de debater e votar as medidas para reorganizar a economia do país, enquanto, simultaneamente, procura travar as pautas de campanha de Bolsonaro. O presidente percebeu o movimento e já declarou que querem transformá-lo na “rainha da Inglaterra”; preside, mas não governa. Bolsonaro tem lançado mão de mais decretos para fazer valer as suas pautas, limitando a interlocução com o Legislativo. Considerando os seis primeiros meses do primeiro ano de Governo, Bolsonaro já editou 236 decretos, perdendo apenas para Fernando Collor que, no mesmo período, assinou 579. Collor era conhecido justamente por sua dificuldade de se relacionar com o Legislativo, assumindo um poder presidencial do tipo imperial.
O cientista político e professor da FGV-Rio, Carlos Pereira, chama atenção para uma outra mudança institucional, mais antiga, que também ajudou a limitar o poder do Executivo, no caso, a PEC que acabou com a reedição de MPs, aprovada e 2001. Pereira observa que parte do protagonismo do Legislativo atual tem a ver com a visão adversarial que o presidente tem estabelecido com a Câmara e o Senado. O problema é que a responsabilidade de coordenar a agenda sempre foi do Executivo em razão do modelo político brasileiro.
O Congresso formado por vários partidos de preferências distintas abriu mão da execução do orçamento na Constituição de 1988 na expectativa de que o presidente, na condição de coordenador do jogo do presidencialismo de coalizão, pudesse executar políticas que representassem a preferência mediana dos legisladores. | Carlos Pereira
O enfraquecimendo do Executivo é uma ameaça à estabilidade?
Embora o Legislativo tenha conseguido até aqui barrar algumas pautas secundárias do presidente, e fazer andar aquelas que realmente importam, Carlos Pereira vê com preocupação o enfraquecimento do Poder Executivo, dada as características do presidencialismo combinado com o multipartidarismo brasileiro. Essa combinação pode gerar um ambiente com riscos para o encaminhamento de outras medidas relevantes para o país, bem como riscos do ponto da estabilidade do sistema político.
O Brasil já teve presidencialismo multipartidário com presidente institucionalmente fraco de 1946 e 1964. Essa experiência foi muito tumultuada, com vários episódios de impasses políticos, institucionais e sucessivas crises de governabilidade. | Carlos Pereira
O conflito entre Legislativo e Executivo nos 130 anos de República geraram vários períodos de instabilidade, como mostra o “currículo” da República: foram seis constituições, 2 ditaduras e 7 governos autoritários.