O Brasil tem sofrido com uma fuga maciça de investidores estrangeiros, que já retiraram mais de US$ 50 bilhões apenas neste ano. A saída de capitais se soma à revoada de dólares dos anos anteriores e se deve a três fatores: situação fiscal, baixo crescimento e crise ambiental. Sem que as reformas sejam aceleradas e a percepção internacional seja revertida, os dólares vão continuar voando para longe do país. A consequência será falta de capital para os investimentos produtivos e estagnação econômica.
Compra e venda de ativos
O mercado financeiro age de maneira binária. A todo tempo, milhões de pessoas ao redor do mundo decidem se devem vender ou comprar algo. Se os investidores acreditam que há boas chances de ganhar dinheiro, eles compram um ativo. Pode ser uma ação, uma moeda, um título público ou privado. Mas, se as perspectivas são de baixa, a decisão só pode ser uma: vender.
Medida por essa régua, anda baixa a confiança dos investidores na economia brasileira. Os investidores estrangeiros retiraram US$ 48,5 bilhões em suas posições no país desde o início de 2020, de acordo com os dados do fluxo cambial divulgados pelo Banco Central. Esse número diz respeito ao resultado líquido entre as operações de compra e de venda de ações e títulos, além dos investimentos em companhias e outras transações financeiras. Os estrangeiros estão vendendo papéis brasileiros em uma proporção muito maior do que estão realizando compras, num claro sinal de falta de ânimo com as perspectivas para o país e as suas empresas. E esse movimento já ocorre há algum tempo. Em 2019, a retirada ficou acima de USD$ 62 bilhões.
Investimento estrangeiro direto
Outro indicador da crise de confiança no país pode ser visto no investimento estrangeiro direto. Trata-se do capital aplicado por empresas internacionais diretamente na ampliação da capacidade produtiva e na aquisição de companhias brasileiras. Depois de atingir um pico de US$ 102 bilhões em 2011, no então embalo da promoção do país à categoria de grau de investimento, o volume de recursos vem caindo. Ficou abaixo de US$ 80 bilhões em 2019, e neste ano será ainda menor.
Existem três razões para essa fuga dos investidores.
1. Situação fiscal
O quadro começou a se agravar em 2014. Foi um ano eleitoral e, para ampliar os gastos de maneira desmesurada, o então governo Dilma Rousseff, buscando a reeleição, cometeu as infames pedaladas nas contas públicas. O resultado foi uma explosão da dívida e uma perda de credibilidade internacional. As agências de avaliação de risco financeiro rebaixaram a nota do Brasil, que deixou de ostentar a classificação “grau de investimento”.
Problema: diversos fundos de pensão internacionais investem apenas em países avaliados como “grau de investimento”. Portanto, tiveram de liquidar as suas posições no Brasil. Assim, somente fundos estrangeiros mais especulativos – e voláteis – colocam dinheiro aqui. O mercado brasileiro acabou ficando mais vulnerável às oscilações no mercado internacional.
Um indicador dessa saída dos estrangeiros é a diminuição da participação deles entre os compradores de títulos da dívida pública federal. Como destacou em artigo recente o economista Affonso Celso Pastore, a participação dos estrangeiros, que chegou a ser de 20% entre os detentores desses papéis, recuou agora para menos de 10%.
Parte da confiança havia sido recuperada graças à Lei do Teto dos Gastos, de dezembro de 2016, que impôs um limite às despesas e indicou uma possibilidade de redução na dívida pública. Agora, entretanto, o teto está sob ameaça e pode ruir.
Com a crise do coronavírus, tudo piorou. O país deverá ter rombos orçamentários até 2027, e a dívida pública ruma para superar 100% do PIB, um nível tóxico para um país em desenvolvimento, como o Brasil.
2. Baixo crescimento
Mesmo com os juros historicamente baixos, a economia não decola – e já era assim antes da pandemia. As reformas estruturais foram relegadas por anos e anos, o que reduziu a competitividade e a atratividade da economia brasileira.
Será necessário um trabalho intenso, nos próximos anos, para acelerar as reformas e recolocar o país nos trilhos do crescimento sustentável. Depois da reforma da Previdência, já aprovada, é hora de avançar em duas outras reformas essenciais: a tributária e a administrativa.
Sem que se afaste o risco de um colapso fiscal e se diminuam os obstáculos para os investimentos produtivos, o país continuará estagnado, preso na armadilha da baixa produtividade e do baixo crescimento. São poucos os investidores dispostos a apostar numa economia assim.
3. Crise ambiental
Os maiores fundos de investimentos internacionais não olham apenas para a situação econômica de um país. Cada vez mais, eles avaliam as questões ambiental, de sustentabilidade e governança. São os critérios ESG, environmental, social and corporate governance.
A crise de imagem ambiental já está custando bilhões ao Brasil. Mais de 30 gestores de recursos assinaram um manifesto no qual cobram ações mais enérgicas do país no combate ao desmatamento, do contrário vão rever as suas aplicações financeiras no país. Algumas delas já se retiraram da sociedade de frigoríficos que não demonstraram boas políticas de governança. No conjunto, essas gestoras administram fundos globais que somam US$ 4,6 trilhões.
São notícias ruins para um país tão carente em recursos para investimento. De acordo com informações do Institute of International Finance (IIF), a associação internacional dos bancos, o Brasil foi o país que mais perdeu recursos em 2020. Foram mais de US$ 25 bilhões, o dobro do volume de capitais retirados do México no mesmo período. Pior: segundo a avaliação da instituição, o país deverá demorar mais do que os outros emergentes para voltar a atrair capital estrangeiro.
Em um relatório sobre a situação financeira do país, o IIF destacou a fragilidade nas contas públicas e recomendou o corte de gastos. “Os riscos seguem elevados, devido ao nível da dívida e à necessidade de financiamento do setor público”, advertem os economistas da instituição.
O Brasil, claro, poderá dar de ombros para os alertas que vêm de fora. O resultado será mais turbulência financeira, mais saída de recursos, menos investimentos e menos crescimento.