O primeiro objetivo da reforma administrativa no setor público deve ser o aprimoramento da gestão, centrando as atenções nos incentivos aos bons servidores e na melhoria dos serviços públicos. Mas, outro objetivo da reforma deve ser a racionalização das finanças públicas. O pagamento de salários e aposentadorias do funcionalismo cresceu num ritmo desproporcionalmente elevado nas últimas duas décadas. Excluindo-se o custo dos juros da dívida pública, a despesa com os servidores fica atrás apenas da Previdência no topo dos maiores gastos do governo.
A reforma da Previdência, aprovada no ano passado, vai demorar ainda para impactar as contas públicas, mas, no futuro, vai contribuir para a redução do déficit. A prioridade da vez, agora, é enfrentar a outra grande despesa obrigatória do setor público, que é o custo de sua folha de pagamento. Se isso não for feito o quanto antes, o Brasil manterá uma trajetória de piora nos rombos orçamentários e no endividamento que, no fim da linha, vai dar no colapso financeiro – a situação da Argentina. A alternativa seria um aumento cavalar na já elevada carga de tributos, algo que sufocaria a atividade econômica e, por isso mesmo, não será tolerado pela sociedade.
O governo acabou de encaminhar ao Congresso a sua proposta de reforma administrativa. Foi um primeiro passo positivo, mas ainda modesto, porque vale apenas para os novos servidores e não inclui o Judiciário nem o Legislativo. O Ministério da Economia estima que a reforma, quando implementada, vai propiciar uma economia de R$ 300 bilhões ao longo de dez anos. Pode ser, mas, valendo apenas para os novos funcionários, esse benefício levará anos para começar a se materializar.
Está nas mãos do Congresso o aperfeiçoamento do projeto. Um bom ponto de partida para estimar os efeitos positivos para as contas públicas pode ser encontrado em um estudo recém-publicado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o Ipea. No trabalho, os técnicos se debruçaram sobre alguns cenários. Levaram em conta, por exemplo, medidas já adotadas, como o congelamento dos reajustes nos vencimentos por dois anos, e qual seria o impacto se houvesse uma diminuição na reposição de aposentados. Estimaram também os eventuais impactos na redução dos salários iniciais, hoje superiores em muito aos da iniciativa privada.
Conclusão do estudo: poderiam ser economizados, nos próximos 10 anos, R$ 816 bilhões. Seriam R$ 80 bilhões a mais, ao ano, para os governantes de todo o país terem espaço fiscal para investir em projetos prioritários nas áreas de educação, saúde e infraestrutura.
Outra estimativa, da economista Ana Carla Abrão, indica que uma reforma ampla da administração pública poderia levar a uma economia anual de R$ 40 bilhões apenas no Poder Executivo. Se os ajustes atingirem o Judiciário e o Legislativo, o total poderá ficar entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões.
Como informa o Ipea, as despesas do governo federal com pessoal e encargos mais do que dobraram desde 1997. No ano passado, foram R$ 321 bilhões.
Somando-se as despesas com o funcionalismo estadual e o municipal, a conta chegou perto de R$ 1 trilhão. Haja imposto para sustentar uma máquina pública dessas.
Brics e OCDE
O setor público brasileiro gasta, proporcionalmente, mais do que países ricos. Ainda assim, os serviços são sofríveis. As distorções são inúmeras. Excesso de categorias (dezenas delas nem existem na iniciativa privada atualmente), promoções automáticas, sem levar em consideração mérito ou capacidade, salários iniciais distantes da realidade do mundo privado. São benefícios e favorecimentos que vão se acumulando numa bola de neve que se tornou insustentável.
Salários de servidores x investimento em saneamento
Enquanto isso, boa parte da população vive ainda sem água nem esgoto. Diz um estudo publicado sobre a reforma administrativa feito pelo Instituto Millenium em parceria com a consultoria Octahedron: “Só em 2019, os mais de 600 mil funcionários federais civis, por exemplo, custaram 319 bilhões de reais, 21 vezes mais do que os recursos investidos em Saneamento, ao qual metade do país não têm acesso”. De acordo com o mesmo estudo, o custo médio de um servidor estadual é de R$ 88 mil ao ano, e o de um servidor federal, de R$ 242,4 mil ao ano.
Estimativas feitas pelo Instituto Millenium e pela Octahedron mostram que, se as 30 ocupações mais numerosas do serviço público recebessem a remuneração do seu equivalente no setor privado, haveria uma economia de aproximadamente R$ 15 bilhões por mês aos cofres públicos – o que daria R$ 180 bilhões ao ano.
Outro dado revelador: mais de 95% dos servidores federais recebem o máximo de gratificações possível.
Há gordura de sobra para cortar e remanejar, portanto. Basta ter vontade política e compromisso com o interesse público.
Orçamento engessado
Estados e municípios, já há algum tempo, encontram pouca margem de manobra para realizar investimentos, porque todo o seu orçamento acaba destinado ao pagamento de salários e aposentadorias. Agora o mesmo ocorre com o governo federal. Em 2010, R$ 75 de cada R$ 100 empenhados iam para pagar os gastos obrigatórios. Agora, R$ 95 vão para as despesas fixas, sobrando quase nada para pagar as contas de água e luz ou comprar equipamentos, entre outras despesas corriqueiras. E quanto sobra para investir? Quase nada.
Por muito tempo, o país adiou os ajustes recorrendo aos expedientes de elevar a carga tributária e cortar os recursos para os investimentos. Resultado: baixo crescimento econômico, infraestrutura depauperada, má qualidade nos serviços essenciais. Enquanto privilégios dos altos salários e da estabilidade são mantidos, metade dos professores e alunos do ensino público frequentam colégios sem acesso ao saneamento básico. Sem a reforma administrativa, portanto, o Brasil continuará profundamente injusto e será ainda mais ingovernável – além de correr o sério risco de se precipitar no penhasco fiscal.