É indiscutível que objetivo da reforma administrativa seja aumentar a produtividade e a qualidade do serviço público. E também inegável a urgência em reduzir o custo do Estado para investir em áreas prioritárias. Mais de 14 milhões de pessoas estão desempregadas; 20 milhões passam fome. Mesmo se aplicada apenas a novos servidores, a reforma economizaria R$ 128 bilhões nos próximos 10 anos. É o que aponta o último estudo especial da Instituição Fiscal Independente – IFI.
As duas grandes reformas que deverão ser levadas a votação nos próximos meses são a administrativa e a tributária. A modernização do sistema de impostos, essencial para destravar os investimentos e a produtividade no setor privado, ainda está emperrada. A reforma tributária esteve perto de ser votada no ano passado, antes do recrudescimento da pandemia, mas, agora, o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tem afirmado que ainda não há consenso para levá-la ao plenário.
Há melhores chances de aprovar em breve a reforma administrativa, cujo impacto deverá ser o aumento da produtividade no setor público. Se não for diluída e valer para todos os servidores, de todas as esferas de poder, terá o potencial de quebrar os vícios do serviço público e incentivar o desempenho dos bons funcionários. Os sinais emitidos pelo Congresso, no entanto, indicam que a ideia é seguir a proposta do Governo de fazer a nova lei valer apenas aos novos servidores – ou seja, aqueles admitidos depois da reforma.
Com a nova estrutura de organização dos recursos humanos do setor público, os funcionários passarão a ser avaliados e promovidos por critérios de desempenho. Ficará no passado, espera-se, o privilégio anacrônico de ganhar gratificações e aumentos salarias simplesmente por tempo de serviço, a despeito do mérito. Outro aspecto essencial da reforma administrativa é reestruturar e simplificar carreiras, o que aproxima as regras com as existentes no setor privado e reduz o custo do funcionalismo. A atual estrutura é engessada e onerosa.
Impacto nas contas públicas
Haverá também ganhos para as finanças públicas. Estudo especial da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, estimou o tamanho do impacto em diferentes cenários. A conclusão é que poderiam ser economizados até R$ 128 bilhões ao longo da próxima década, levando-se em consideração não apenas o Governo Federal, mas também os estados. Assinado pelo analista Alessandro Casalecchi, o estudo estimou os números para o período que vai de 2022 a 2031 e leva em consideração apenas os servidores civis e estatutários (militares, com regime próprio, ficaram de fora dos cálculos). Para efeito de comparação, o Bolsa Família, que dá amparo a mais de 50 milhões de brasileiros vulneráveis, custa pouco mais de R$ 30 bilhões ao ano. Poupando com os privilégios de servidores, seria possível ampliar os gastos sociais sem aprofundar o déficit orçamentário.
Impacto na União e nos estados
Na simulação, o IFI estimou qual seria o resultado de medidas com o aumento do tempo de serviço mínimo para obter promoções, a redução do salário inicial e a diminuição da taxa de reposição dos aposentados. No estudo, as regras valeriam apenas para os novos servidores. A única iniciativa que valeria para os atuais funcionários seria o congelamento temporário de progressões automáticas e promoções. Ainda assim, apesar de a economia prevista ser modesta nos primeiros anos, com o tempo ela ganharia tração e ajudaria a conter o aumento de gastos do governo.
A simples adequação de alguns dispositivos anacrônicos teria um efeito extremamente salutar para as finanças públicas. A redução do salário inicial, isoladamente, geraria economia acumulada de R$ 67 bilhões até 2031. A redução da taxa de reposição traria um ganho de R$ 81 bilhões no mesmo período. O conjunto das medidas, conclui a análise, ofereceria uma economia estimada de R$ 128 bilhões ao longo da próxima década, mas poderá ser ainda maior, uma vez que a reformulação das regras poderá também ser estendida para os funcionários públicos não estatutários. Os efeitos seriam relativamente modestos nos primeiros anos, porque não afetariam os servidores atuais, mas, com o tempo, ganhariam força e ajudariam – e muito – a equilibrar o orçamento do setor público.
Especialistas em finanças públicas defendem que, para ser justa e eficiente, a reforma deveria valer para todo o funcionalismo, de todos os poderes, novos ou velhos. No entanto, negociações em curso em Brasília não preveem esse cenário porque, acreditam, seria muito difícil ver a lei aprovada. A maior parte das alternações será aplicada apenas aos novatos no funcionalismo. É o preço a ser pago pela aprovação, de maneira similar ao que ocorreu na reforma previdenciária do funcionalismo, que também só passou a valer para os que ingressaram no serviço público após a reformulação das regras. Não é o ideal, mas, ainda assim, como indicam as projeções do IFI, deverá haver um efeito significativo nas contas dos estados e da União, caso a reforma administrativa seja de fato aprovada em breve e comece a valer a partir de 2022 – como se espera.
Essas propostas não estão listadas especificamente na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada pelo governo, mas as regras poder ser incluídas na regulamentação da nova lei, se ela dor adiante.
Impacto da reforma para todos os servidores
Os benefícios fiscais, logicamente, seriam bem maiores se a reforma fosse válida para a totalidade dos servidores. Um estudo do Ipea concluiu que a economia poderia superar R$ 80 bilhões ao ano, ou mais de R$ 800 bilhões ao longo de uma década. São números em linha com estimativas de um trabalho coordenado pela economista Ana Carla Abrão.
O objetivo primordial da reforma administrativa não é o seu aspecto fiscal, e sim a produtividade e a qualidade do serviço público. Os servidores precisam ser motivados a progredir pelo mérito, e não por corporativismo. Mas é inegável a importância da mudança de regras para aliviar o custo dos servidores. O governo precisa liberar recursos para investir em áreas prioritárias. O Brasil está sendo castigado por uma confluência de crises – na saúde, na economia, na política. A falta de credibilidade do governo na condução do país corrói as perspectivas de retomada, porque afugenta investimentos. Enquanto isso, o desemprego atinge mais de 14 milhões de pessoas e a fome volta a assombrar 20 milhões de brasileiros mais vulneráveis. A reversão do pessimismo depende da entrega de resultados concretos. Em vez de distrações infelizes, como a aprovação de um Orçamento ilegal e inexequível, governo e Congresso deveriam se empenhar em aprovar a agenda de reformas estruturais – e a administrativa é uma das prioritárias.