Falta de critérios da atual legislação provocou avalanche de processos que inibem gestores e travam a administração pública. Atualização é bem-vinda, desde que não incite a corrupção.
A decisão de Arthur Lira (PP-AL), de acelerar a votação das mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, levantou suspeitas de que o presidente da Câmara estivesse legislando em causa própria. Afinal, já foi condenado duas vezes em seu estado em processos baseados na legislação.
A reforma, contudo, é bem-vinda. Criada em 1992 no calor dos escândalos do governo Fernando Collor, a Lei 8.429, transformou-se num instrumento que, sob o escudo das boas intenções, atravanca a administração pública. Os gestores, temendo serem processados, deixam de tomar decisões essenciais e preferem pecar pela omissão.
Como detalhou uma reportagem de Virtù (Lei de Improbidade não pode ser amarra à gestão pública), a legislação prevê quatro tipos de improbidade: enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário, concessão de benefícios indevidos e atos que atentem contra os princípios da administração pública. O grande problema está nesse último ponto. A depender da avaliação de promotores e juízes, pode ser qualquer omissão ocorrida no governo ou meros erros burocráticos. Um prefeito pode perfeitamente ser denunciado por omissão mesmo não tendo nenhuma ligação direta com a eventual ilicitude. A falta de objetividade nos critérios desencadeou uma avalanche de processos.

A cada ano, mais de 2.000 políticos e gestores públicos recebem algum tipo de condenação por crimes de improbidade administrativa. Lira não foi o único.
Um levantamento do Instituto de Direito Público (IDP) analisou 806 recursos em ações de improbidade ocorridas em municípios de todo o país. Menos de 10% das ações contra prefeitos foram motivadas por enriquecimento ilícito (88 casos no total). Metade dos processos se refere ao vago conceito de ofensa aos “princípios da administração pública”.
O novo texto foi apresentado em 2018 e partiu do estudo de um grupo de juristas. Ele restringe as interpretações do que deve ser enquadrado como improbidade administrativa e revê também as punições. Para casos comprovados de corrupção, as penalidades serão na verdade elevadas. Deixa de existir a improbidade “culposa”. As tipificações devem ser mais objetivas e adequadas à jurisprudência consolidada nos últimos anos.
Arthur Lira afirmou que a reforma deverá evitar distorções e combater excessos. “A proposta não fere nenhum princípio constitucional e ainda vai garantir que não haja uso político-eleitoral cometendo injustiça com servidores sérios e bem-intencionados”, afirmou. Depois de passar na Câmara, o texto segue para o Senado.
A atual lei, de fato, peca pela ampla margem de interpretação e elevada insegurança jurídica. É mais um entre tantos desafios a serem enfrentados pelos gestores públicos honestos e trabalhadores. Agora mesmo, em meio à pandemia, houve relatos de agentes da saúde que temiam acelerar a vacinação, mesmo quando havia vacinas no estoque, porque temiam sofrer algum tipo de processo por parte do Ministério Público. Dessa maneira, o setor público fica ainda mais amarrado e pouco flexível para tomar decisões estratégicas. É o chamado “apagão das canetas”.
Em uma entrevista ao Virtù, o jurista Carlos Ari Sundfeld, um dos consultores do novo texto, afirmou que a Lei de Improbidade distorce a gestão pública e prejudica o poder de decisão do gestor. “É preciso focar o poder punitivo do estado nas coisas que são realmente importantes, parecer de fazer fumaça e fazer fogo concentrado nas práticas realmente terríveis, como a corrupção”, afirmou Sundfeld. “A lei é mal feita do ponto de vista técnico, cheia de ambiguidades”.
Sobram razões, portanto, para revisar a Lei de Improbidade. Essa reforma está na lista de prioridades do movimento Unidos pelo Brasil. Será necessário, contudo, preservar o poder de fiscalização dos controladores das gestões públicas. A revisão de uma lei que se mostrou disfuncional não pode se transformar em um convite ao liberou geral.