Estudo do CLP mostra que redução da cunha fiscal combinada com o novo tributo sobre dividendos vai incentivar a aplicação de recursos em novos negócios, elevando o crescimento do PIB em 1,6% nos próximos dois anos
O relator da reforma do Imposto de Renda, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), vem mantendo negociações nos últimos dias, ao lado de técnicos do governo, para aperfeiçoar a proposta de reformulação da maneira como o tributo é cobrado e alcançar o apoio necessário para que o texto seja votado na Câmara no próximo mês, logo depois do final do recesso parlamentar. O texto contém pontos positivos. O principal deles deverá ser uma redução da carga fiscal desembolsada hoje pelas empresas, o que deverá trazer, como contrapartida, mais investimentos produtivos e mais crescimento econômico.
São muitas variáveis em jogo, e o resultado dependerá do desenho final do projeto. Mas um estudo do Centro de Liderança Pública (CLP) procurou avaliar objetivamente qual deverá ser o impacto para a economia com as possíveis novas regras do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ). Segundo as estimativas, o crescimento econômico poderá ser 1,6% maior nos próximos dois anos.
Com a redução prevista no IRPJ, deverá ocorrer uma queda de arrecadação da ordem de R$ 95 bilhões. Mas mesmo que as empresas tenham em seus caixas esse dinheiro adicional elas não vão necessariamente investir mais. Ocorre que, em paralelo à redução do IR, haverá a criação do Imposto sobre Dividendos. A combinação dessas duas mexidas, se bem calibradas, poderão criar incentivos para o aumento dos investimentos produtivos.
Com o tributo sobre dividendos, haverá um estímulo para que as companhias retenham lucros. Parte desse dinheiro acabará sendo reinvestido no próprio negócio — com a compra de máquinas, a ampliação de linhas de produção ou o lançamento de novos produtos, por exemplo. O resultado será menos dinheiro retido para pagar impostos e mais capital aplicado no crescimento da produtividade.
Na hipótese da estimativa feita pelo CLP, se uma parcela de 20% dos R$ 95 bilhões pagos em impostos migrarem para os investimentos produtivos, o impacto final para a economia seria o crescimento adicional do PIB de 1,6% no próximo biênio. Isso em decorrência do chamado efeito multiplicador do investimento privado.
O estudo se valeu da experiência ocorrida em outros países. Com a criação do tributo sobre dividendos, diminuirá o incentivo para que os sócios distribuam lucros. Valerá mais a pena investir parte do resultado operacional no próprio negócio. Ao mesmo tempo, como haverá uma redução pela metade da alíquota efetiva do IRPJ, as companhias terão mais dinheiro em caixa, o que também contribuirá para o aumento dos investimentos. O País sairá ganhando com a aceleração da retomada econômica e a diminuição do desemprego.
Exemplo francês
Uma das principais referências para o estudo do CLP foi a experiência ocorrida na França. Em 2013, o país fez um grande aumento na alíquota incidente sobre os dividendos, que passou de 15,5% para 46%. As empresas reduziram substancialmente os pagamentos de dividendos, e, como contrapartida, ampliaram os seus investimentos e as vendas.
O estudo traz insumos para ampliar a discussão sobre o alcance mais amplo das medidas e, assim, sair das disputas míopes entre eventuais ganhadores e perdedores com a mudança de regras.
Um dos fatores negativos apontados contra as novas regras é a provável perda de arrecadação e criação de um rombo fiscal de R$ 30 bilhões nas contas públicas. Mas, segundo a nota técnica do CLP, é necessário observar a questão para além de seus efeitos imediatos. Afirma o estudo: “Há questões dinâmicas a serem consideradas, uma vez que mudanças de impostos corporativos costumam ter efeitos sobre outras variáveis da economia, especialmente investimento privado. E, na contramão das necessidades do país, o Brasil há anos investe em volume como proporção do PIB muito aquém do necessário, e em trajetória de queda”.
A taxa de investimento é o total, medido em relação ao tamanho da economia do país, dos recursos aplicados na infraestrutura, na construção civil e na ampliação e modernização dos negócios. Em 2009, a taxa brasileira era de 20,9% do PIB, mas foi recuado e chegou a um valor modesto de 15% em 2017. Desde então, houve uma ligeira recuperação, mas ainda segue muito abaixo do padrão internacional. Países de rápido crescimento investem o dobro do Brasil.
Um dos maiores obstáculos à expansão dos negócios é justamente o sistema tributário, repleto de distorções: a carga é elevada, os investimentos e as exportações são penalizados, há burocracia excessiva e alto custo administrativo e jurídico.
Como demonstrou o caso francês, ajustes tributários podem trazer grande impacto para a economia. As empresas ficaram com mais liquidez e maior capacidade para investir, deixando de fazer operações pouco produtivas com o único intuito de reduzir a cunha fiscal.
Segundo as estimativas de um estudo realizado na França, para cada aumento de 1% na taxa de imposto sobre dividendos, os empresários ampliaram o investimento em 0,4%.
Para calcular o efeito multiplicador dos investimentos privados para a economia, o estudo leva em consideração estimativas recentes feitas para o verificado em países europeus. Em média, cada 1% de aumento no investimento privado agrega 0,82% ao PIB.
Por fim, o estudo do CLP procurou identificar qual seria o impacto final sobre as finanças públicas. Muito dependerá, obviamente, da calibragem dos impostos. Mas a conclusão central é que o aumento no volume de negócios levará a uma alta na arrecadação futura, neutralizando a perda na arrecadação ocorrida no início. Em diferentes cenários avaliados, o ganho de arrecadação poderá ficar entre R$ 20 bilhões e R$ 50 bilhões, havendo grande probabilidade de ser superior à perda de R$ 30 bilhões que foi estimada pelo governo. Essa eventual perda tem sido um dos empecilhos para o avanço das negociações, porque poderá atingir estados e municípios, que recebem boa parte do bolo arrecadado com o IRPJ.
Uma boa reforma tributária precisa ser neutra do ponto de vista fiscal. Caso ocorra uma perda de arrecadação muita acentuada, poderão ocorrer efeitos econômicos adversos. O aprofundamento do desequilíbrio causa aumento da dívida pública, eleva o grau de incerteza na economia e empurra os juros para cima. O resultado final, portanto, poderá ser menos crescimento dos investimentos e do PIB.
A análise do CLP traz elementos para aprofundar as discussões e municiar o debate necessário para aprimorar o projeto em discussão. O fundamental será preservar o espírito duplo de manter o equilíbrio das contas públicas, mas também incentivar as empresas a investirem mais na produtividade e na criação de empregos.