Proposta de fatiar a reforma demonstra que nem Bolsonaro nem Lira estão dispostos a enfrentar o desgaste político para aprovar ajustes profundos na economia. Sem a nova lei, o setor produtivo continuará a sufocar e País perde a chance de surfar na onda favorável da retomada internacional
A economia mundial começa a se reerguer das ruínas. A recuperação, puxada pela China e pelos EUA, pode ser vista nos indicadores de comércio internacional. Os preços das commodities, como os produtos agrícolas e o minério exportados pelo Brasil, estão em forte alta. O Brasil, no entanto, continua castigado pela pandemia da Covid-19 e fustigado pela incompetência do governo.
O País desperdiça a oportunidade de escapar mais rapidamente da crise. Falta ambição, liderança e coragem para Jair Bolsonaro e seus aliados no Congresso enfrentarem as reformas profundas na economia. Um exemplo cabal foi dado na última semana. Depois de anos de trabalho e negociações, a reforma tributária ganhou um destino incerto com a decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de dissolver a comissão mista criada para tratar dessa pauta. Lira decidiu ainda que não levará em consideração o texto do relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Lira, alinhado com o governo, tem defendido o fatiamento da reforma. Seria votado inicialmente apenas o projeto de simplificar a tributação federal, com a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que entraria no lugar de Pis e Cofins. A inclusão na reforma do ICMS, de alçada estadual, e do ISS, municipal, ficaria para depois.
O problema, de partida, é que o ICMS representa o grande nó da tributação brasileira, com suas regras e alíquotas específicas para cada um dos estados. Outra preocupação dos especialistas é que, nas negociações para a aprovação da primeira etapa de uma reforma fatiada, surjam novos privilégios e distorções. Seria o caminho oposto dos princípios da equanimidade e da neutralidade que devem guiar uma boa reforma tributária. Portanto, se não houver condições políticas para levar adiante uma reforma ampla, o melhor talvez seja deixar o projeto para mais tarde, no início de um novo governo. O fundamental neste momento deve ser impedir que haja retrocessos.
Os benefícios da reforma
Um estudo do Insper escancara a irracionalidade, o custo e a insegurança jurídica do atual sistema tributário. Há pelo menos R$ 5,4 trilhões em disputas judiciais envolvendo cobranças de tributos. Os números, relativos a 2019, dizem respeito a causas envolvendo o setor público e o privado. O valor em questão equivale a 75% do PIB brasileiro. Não existe paralelo entre as maiores economias mundiais. Em nações desenvolvidas, contenciosos do tipo são insignificantes.
De acordo com os pesquisadores que fizeram a análise, o número pode ser ainda maior, porque nem todos os casos podem ser consultados.
Para o setor privado, o custo é duplo. Primeiro, as empresas gastam recursos e energia para lidar com a burocracia e ficar em dia com o Fisco. Depois, gastam com advogados e consultores nas disputas judiciais.
As companhias brasileiras são as que mais perdem tempo para cumprir as suas obrigações tributárias: são, em média, 2.600 horas ao ano, contra menos de 200 nos países desenvolvidos.
Por tudo isso, uma reforma ampla, nos moldes da PEC 45, traria um impacto considerável na produtividade do País, cujo reflexo seria mais investimentos, mais crescimento e mais renda para os trabalhadores. Um estudo do economista Bráulio Borges estimou que o PIB brasileiro poderá ser até 33% maior, daqui a 15 anos, caso uma reforma ampla seja aprovada.
Os números atestam que a reforma tributária deve ser mantida no topo das reformas prioritárias. Sem ela, o País dificilmente vai superar as suas três décadas de produtividade estagnada. Mas, como evidenciou a movimentação do governo e de Lira na última semana, é improvável que ela seja aprovada nos próximos meses. Não há vontade política para criar conflitos em meio à pandemia, CPI e crise política.
As discussões, contudo, precisam prosseguir, para que se consolide uma proposta minimamente consensual para ser aprovada pelo próximo governo. Enquanto isso, a sociedade civil precisará estar atenta e impedir retrocessos no campo fiscal — como, por exemplo, os dribles oportunistas na lei do teto de gastos.