A reforma tributária está no topo das prioridades nacionais há um bom tempo. A carga de impostos não é apenas elevada, mas também injusta e ineficiente. Pesa mais no bolso dos mais pobres. Onera investimentos, desincentiva as exportações, estimula a guerra fiscal e a judicialização. No fim, reduz a capacidade de crescimento econômico do País. É um sistema ruim para quase todo mundo, mas diante da montanha de interesses envolvidos, sempre foi difícil chegar a um consenso suficientemente amplo para aprovar um novo modelo de arrecadação de impostos. Mas existe nos próximos meses uma grande oportunidade de aprovar essa reforma. Seria uma notícia extraordinária, sobretudo para uma economia abatida pela pandemia e pela recessão.
Os pilares das duas propostas em tramitação no Congresso são a simplificação e a racionalização do sistema tributário. De acordo com o Banco Mundial, as empresas brasileiras são as que mais perdem tempo para cumprir as suas obrigações tributárias. São, em média, 2.600 horas ao ano, contra menos de 300 horas no Chile e na Colômbia. Em países desenvolvidos, o tempo desperdiçado dificilmente supera 200 horas anuais – são requeridas 175 horas nos EUA e 110 no Reino Unido.
Entre 190 avaliados pelo Doing Business, o Brasil aparece na posição de número 184 no que diz respeito ao indicador que afere a facilidade no pagamento de impostos, que mede o tempo gasto e os custos. Um outro estudo, das universidades alemãs LMU Munich e Universidade Paderborn, colocou o Brasil na última posição, entre cem países analisados, no ranking de complexidade tributária.
Como diz a cartilha Unidos pelo Brasil, “o Brasil conta com mais de 90 impostos, taxas e tributos diferentes. Diferente de outros 168 países que adotam apenas um tributo para o consumo, o Brasil adota cinco – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. Eles são regulados pela União, pelos 27 estados e 5.570 municípios.”
Essa posição trágica nos comparativos internacionais representa, em nosso dia a dia, menos investimentos e produtividade estagnada. É o resultado do cipoal de leis específicas e isenções, além do enorme número de tributos existentes. A permissividade na concessão de benefícios levou à guerra fiscal e a criação de inúmeras distorções. Os empreendimentos não são realizados na melhor localização do ponto de vista logístico, mas sim onde a carga de tributos é menor. De novo, trata-se de produtividade. Além do mais, esse sistema caótico dá margem a inúmeros contenciosos jurídicos. Os litígios em análise pela Justiça são da ordem de R$ 5 trilhões. A comparação com outros países é de causar vergonha. Os contenciosos envolvendo a administração federal equivalem a mais de 16% do PIB brasileiros, ante uma média de 0,28% do PIB nos países da OCDE e 0,19% na América Latina.
O impacto da reforma tributária
Por tudo isso, depois da aprovação das novas regras da Previdência, a reforma tributária é considerada a mais importante para a economia brasileira. Um estudo do economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, dá uma medida do impacto positivo que ela poderia trazer para o país. Daqui a 15 anos, o PIB brasileiro poderá ser 20% maior do que seria sem a reforma. Isso significa que a renda média dos brasileiros poderá ser 20% maior do que será sem a reforma. Melhor: considerando os benefícios indiretos, com a melhora nas finanças públicas, o PIB poderá ser até 33% maior nesse mesmo período.
Por que isso ocorre? Os benefícios esperados se devem à melhora no ambiente de investimentos e dos ganhos de produtividade, por causa da redução de custos operacionais e financeiros, entre outros fatores.
Essa posição trágica nos comparativos internacionais representa, em nosso dia a dia, menos investimentos e produtividade estagnada. É o resultado do cipoal de leis específicas e isenções, além do enorme número de tributos existentes. Existe também o benefício para as contas públicas. Mesmo sem elevar a carga total de impostos, a reforma contribuirá para a redução da dívida pública. Isso se deve ao aumento esperado do crescimento econômico. Se nada for feito, a dívida pública ficará em torno de 100% do PIB nos próximos anos. Com a reforma, o endividamento seria reduzido para 30% do PIB em 15 anos.
As propostas da Câmara e do Senado
Há duas propostas em tramitação no Congresso: um Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, e outra no Senado a PEC 110/2019. Ambas possuem diversos pontos em comum, como, por exemplo, a redução do número de tributos e a criação de um imposto não cumulativo, cobrado sobre o valor agregado. É assim nos sistemas mais modernos do mundo. Os projetos dão fim também à guerra fiscal. A carga total de tributos deverá ser equivalente à atual, mas todo o sistema será mais simples e eficiente. Outro efeito importante é a progressividade: quem ganha mais deverá pagar, proporcionalmente, mais impostos. Isso porque haverá uma diminuição de tributos sobre mercadorias e uma elevação sobre serviços, algo positivo para os mais pobres, que, de maneira geral, consome mais mercadorias do que serviços.
Em ambas as PECs, está prevista a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Mas o projeto do Senado possui o escopo um pouco mais amplo. Na PEC 110, o IBS substitui no total nove tributos existentes hoje: IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE, Salário-Educação, ICMS, ISS. Além disso, haveria a cobrança de IPVA de jatinhos, lanchas e iates. Já a PEC 45 substitui cinco tributos: IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS. Os defensores da PEC 45 são mais restritivos porque consideram inadequada a substituição de impostos que não sejam diretamente ligadas ao consumo de bens e serviços, e é essa a base de incidência do IBS. O consenso provável será chegar a um meio termo.
Outra diferença está no prazo de transição do sistema atual para o novo, mais acelerado na PEC 110 (cinco anos) e mais lento na PEC 45 (dez anos). A solução, de novo, deverá ser o estabelecimento de um período intermediário.
Comissão Mista da Reforma Tributária
No lugar de insistir na aprovação de uma das PECs, as lideranças parlamentares tiveram a iniciativa de criar uma Comissão Mista da Reforma Tributária, formada por 25 deputados e 25 senadores e cujo objetivo será atingir um acordo para formalizar uma proposta única. Instalada em março, a comissão teve os trabalhos suspensos por causa da pandemia. Espera-se, agora, que ela retome nas próximas semanas.
A comissão mista, se for bem-sucedida, chegará a um texto de consenso que será levado ao plenário. A aprovação de uma PEC exige uma maioria qualificada de três quintos dos votos na Câmara (308 no total) e no Senado (49), em duas votações. Não é fácil. Daí a necessidade de uma convergência, como ocorreu na votação das novas regras da Previdência.
A proposta do governo
Paralelamente, o governo apresentou a primeira etapa de sua proposta. Ela é menos ambiciosa. Por ora, a equipe econômica propôs apenas a fusão de dois impostos federais, o PIS e a Cofins. Seria cobrado, no lugar, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). O governo pretende ainda apresentar um projeto de criar um imposto sobre transações eletrônicas para, em contrapartida, reduzir encargos trabalhistas. Mas faltam detalhes sobre como seria esse projeto, que faz lembrar a reedição da CPMF, o famigerado imposto do cheque.
O Brasil enfrenta um quadro desafiador no futuro. A dívida pública caminha para os 100% do PIB, e a recessão deixará um rombo significativo nas finanças do governo. O caminho virtuoso para o ajuste está nas reformas que possam elevar o potencial de crescimento futuro e tornar essa conta menos amarga. Esse é o caminho oferecido por uma boa reforma tributária. A alternativa é uma maior carga de impostos e menos crescimento. Se o Brasil continuar postergando a reforma tributária, a produtividade continuará estagnada, a sonegação permanecerá alta e a judicialização continuará a ser um pesado ônus para o setor produtivo.