Enquanto o governo federal faz malabarismos para fechar as contas, governadores aproveitam a melhora fiscal para aumentar os investimentos
Com atraso, o Rio de Janeiro começa a fazer o ajuste de suas contas. Na semana passada, o governador Cláudio Castro (PL), enviou à Assembleia projetos de reforma da previdência estadual, a principal causa do desequilíbrio nas finanças fluminenses. As novas regras, se forem aprovadas, elevam as idades mínimas para as aposentadorias, em linha com a reforma feita para os trabalhadores da iniciativa privada. A maioria dos estados já aprovou a equiparação das regras, mas o Rio, justamente um dos estados em pior situação fiscal, ainda não fez os ajustes.
As medidas são necessárias para que o Rio de Janeiro tenha acesso ao Regime de Recuperação Fiscal, o programa de ajuda financiado pelo governo federal em troca de contrapartidas. Uma delas foi a concessão à iniciativa privada da empresa de saneamento do estado, a Cedae.
O leilão dos blocos de exploração da estatal ocorreu no final de abril (na foto acima, com Castro na B3). Foram arrecadados R$ 22,7 bilhões em outorgas. O governo estadual ficará com R$ 14,5 bilhões desse total, enquanto os 28 municípios que aderiram ao programa de concessão vão dividir R$ 7,7 bilhões. Além dos investimentos que serão realizados pelos novos controladores na universalização dos serviços de água e esgoto, o governador e os prefeitos terão mais dinheiro em caixa para aumentar os seus gastos em outros projetos.
Depois de anos catastróficos de caos político, finanças na lona, falta de recursos para itens básicos e salários atrasados, o Rio de Janeiro começa a se acertar. É um exemplo de como ajustes estruturais e profundos podem contribuir para reverter crises severas.
Em diversos estados, a combinação de reformas e privatizações tem ajudado a equilibrar as finanças e ampliar o espaço para os investimentos. Além disso, a retomada econômica e as transferências federais realizadas para ajudar no combate à pandemia também contribuem para que os governadores vivam atualmente uma situação financeira mais confortável, enquanto o governo federal encontra dificuldades crescentes para executar o seu Orçamento e faz malabarismos para cumprir as promessas feitas com aliados.
No ano passado, a crise do coronavírus derrubou a arrecadação dos estados. A perda, porém, acabou sendo compensada pela ajuda federal, oferecida na forma de transferência de recursos e de adiamento de cobrança de dívidas. Foram em média R$ 11 bilhões ao mês alocados para os governos regionais, um volume de recursos superior à perda fiscal ocorrida por causa do fechamento da economia.
Agora, em 2021, a reabertura das atividades comerciais favoreceu o aumento da receita com tributos. Houve também uma ajuda da inflação. Os preços mais altos elevam a base de arrecadação, ao passo que as despesas não sobem no mesmo ritmo. Na primeira metade do ano, a arrecadação com o ICMS, o principal imposto de alçada estadual, teve um salto de 36% em relação ao mesmo período de 2020.
Os governadores têm se aproveitado da conjuntura favorável para recompor o caixa e ampliar os investimentos. Poderão ter assim um trunfo nas mãos no ano eleitoral. O banco Itaú, em um relatório recente, estimou que os estados deverão acumular um superávit fiscal equivalente a 0,5% do PIB neste ano. Ainda de acordo com a análise do Itaú, o endividamento médio dos estados brasileiros recuou ao menor nível da série histórica iniciada em 2000. O governo federal, na contramão, não registra superávit fiscal primário desde 2014 — e a dívida permanece em curva ascendente.
Avanços regionais
Além do Rio de Janeiro, outros estados que até recentemente passavam por sérias dificuldades têm conquistado avanços expressivos. O maior exemplo de virada foi o Rio Grande do Sul. O governador Eduardo Leite (PSDB) aprovou a reforma administrativa, que incluiu os servidores da ativa e de todas as categorias, e conquistou apoio político para levar adiante um programa de privatizações e concessões. O estado passou a ter superávit nas suas contas.
Minas Gerais, outro estado problemático, continua com as finanças no negativo, mas o déficit está em queda em razão de ajustes do governo de Romeu Zema (Novo). A reforma previdenciária aprovada no ano passado conteve o aumento no desequilíbrio fiscal causado pelas despesas com aposentadorias e pensões dos servidores. Zema, contudo, enfrenta resistência política para aprovar a privatização de estatais como Cemig (eneriga) e Copasa (saneamento).
Há, portanto, sinais positivos. Mas permanecem ainda desequilíbrios estruturais consideráveis. As reformas não podem cessar. O endividamento dos governos regionais, apesar da queda recente, ainda é extremamente elevado. Equivale a 100% da receita líquida anual dos estados. Alguns governadores têm dívidas em atraso, e a União, como fiadora dos débitos, precisou desembolsar R$ 38 bilhões nos últimos cinco anos para cobrir essas faturas em aberto.
O Tesouro deverá divulgar nos próximos dias uma análise aprofundada e atualizada da situação em cada um dos estados. Assim será possível avaliar com maior nitidez quais os governadores estão de fato aprimorando a solidez fiscal e quais estão apenas surfando numa conjuntura momentaneamente favorável.