Na atual crise, ganhou força o debate a respeito da criação de um programa de renda básica universal. Seria um Bolsa Família ampliado e aprofundado. O próprio governo avalia maneiras de reorganizar os programas de assistência social, potencializando o seu alcance. Não há dúvidas de que esses projetos precisam ser avaliados. A recessão deixará uma sequela social severa. Ainda assim, antes de criar novas despesas, o País deveria tirar proveito melhor dos gastos públicos atuais e combater desperdícios. Um passo gigante nesse sentido seria investir em água tratada e esgoto. Renda básica sem saneamento básico é jogar dinheiro pelo ralo.
Impacto na saúde
A cada mês, 30.000 pessoas são internadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em decorrência de doenças gastrointestinais. O gasto anual estimado para tratar esses pacientes é de R$ 100 milhões. Especialistas acreditam que a conta seja ainda maior, porque existe muita subnotificação. Sem falar nos gastos realizados pelas pessoas com dinheiro de seu próprio bolso. Mais de 90% dos casos de diarreia decorrem da má qualidade da água e da falta de esgoto adequado. Ou seja, decorrem do fato de o país ainda ter não conseguido universalizar o saneamento público.
A diarreia é também uma das principais causas de mortalidade infantil. São 2.000 vidas com menos de cinco anos perdidas ao ano. As famílias mais pobres são as mais atingidas.
Quase metade dos brasileiros ainda vive sem coleta de esgoto e uma boa parcela das residências possui sistemas bastante rudimentares, com fossas sem o tratamento adequado.
Impacto na produtividade
Os prejuízos da falta de saneamento podem ser medidos também pelo seu impacto na produtividade. A análise faz parte do estudo “Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento Brasileiro”, publicado pelo Trata Brasil. A elevada incidência de infecções leva a internações e ao afastamento temporário de trabalhadores de seus empregos. Além disso, as pessoas ficam mais suscetíveis a doenças e, portanto, serão menos produtivas em suas funções. Isso afeta também os estudantes. Crianças com más condições de saúde em seus primeiros anos de formação intelectual carregam sequelas para toda a vida.
Vítimas do saneamento
Os indicadores dão uma dimensão do deságio sofrido pelas vítimas do saneamento precário. Com base em uma pesquisa do IBGE com números de 2013, observou-se que houve no país 15 milhões de casos de afastamento do trabalho em decorrência de infecções gastrointestinais naquele ano. Em média, cada afastamento representou 3,3 dias longe das atividades. No conjunto, foram milhões de horas perdidas de trabalho. Proporcionalmente, as incidências foram maiores no Norte e no Nordeste, as duas regiões com os piores indicadores de saneamento.
Uma análise mais aprofundada dos microdados da pesquisa permitiu levar à constatação de que os moradores de bairros sem esgoto tinham, na média, salários 6,8% menores do que aqueles outros de perfil semelhante, mas que moravam em residências ligadas ao esgoto. A falta de água tratada representava uma diminuição de 3,2% nos rendimentos médios.
Investir em saneamento, portanto, contribui para a diminuição da desigualdade e também para o aumento da produtividade econômica. Segundo as estimativas do Trata Brasil, o aumento de renda do trabalho pode superar R$ 190 bilhões de reais nas próximas duas décadas, caso sejam feitos os investimentos necessários para universalizar o acesso a água encanada e esgoto tratado. As melhoras nas condições de saúde representariam também uma economia de R$ 300 milhões ao ano.
Para universalizar o saneamento são necessários R$ 24 bilhões ao ano. Com o novo marco regulatório, boa parte desses recursos sairá da iniciativa privada. Os benefícios serão enormes, para um custo relativamente baixo. Já o projeto de renda básica representaria uma despesa anual de R$ 160 bilhões para os cofres públicos, um valor difícil de ser financiado na atual conjuntura.
Os números são eloquentes. Não faz sentido ampliar os gastos públicos com a renda básica sem ampliar o saneamento básico. Seria continuar jogando dinheiro pelo ralo –literalmente.