Novamente a União é chamada a arcar com os custos do descontrole nas finanças estaduais. O PLP 101/20, que exige contrapartidas para dar socorro financeiro aos estados, é uma oportunidade para comprometer os governadores com a realização das reformas estruturais. É urgente atar a sangria crescente dos gastos públicos e evitar a socialização da irresponsabilidade de anos e anos dos governos estaduais.
Está em discussão no Congresso um projeto para dar grande alívio financeiro aos estados. A proposta parte do princípio inegável de que a situação é crítica e que, mais cedo ou mais tarde, será necessário fazer, novamente, uma renegociação das dívidas dos governos regionais com a União. Problema: se o programa de ajuda não vier acompanhado de contrapartidas duras e exequíveis, acabará ocorrendo uma enorme socialização do prejuízo causado pela irresponsabilidade de alguns governadores. Todos os brasileiros serão chamados a cobrir essa conta.
Plano de renegociação da dívida nos estados
O plano tem nome. É o PLP 101/2020, que está sujeito à apreciação no plenário da Câmara. Originalmente, ele era uma proposta do governo elaborada pelo então secretário do Tesouro Mansueto Almeida. Mas, como destaca Josué Pellegrini, diretor do Instituto Fiscal Independente (IFI), a nova versão é bem mais ampla do que o Plano Mansueto. Os critérios para aderir ao refinanciamento da dívida serão mais brandos, e os prazos para o pagamento, mais generosos.
Renegociação de dívida dos estados significa, na prática, o seguinte: o endividamento de um governo, por exemplo, o Rio de Janeiro, fica menor, mas o endividamento federal aumenta. Não existe mágica — a não ser no mundo imaginário das pedaladas fiscais. Para cancelar a dívida de um lado, alguém precisa assumir o passivo do outro.
Diante da possibilidade de colapso, como esteve prestes a acontecer no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, não existe alternativa: o governo federal precisa sair em socorro financeiro. Além de fazer parte de sua função na organização federativa, a União é a fiadora de muitas dívidas contraídas pelos estados. Deixar os estados quebrarem pode ter um contágio de escala nacional, com impacto na credibilidade de todo o país perante investidores.
O resgate federal, contudo, deveria ser concedido mediante o cumprimento de contrapartidas para assegurar o ajuste futuro nas finanças estaduais. Mas isso não vem ocorrendo. Os estados ganham o bônus sem arcar com o ônus. Não fazem a sua parte e, enquanto as reformas estruturais continuam sendo adiadas, os desequilíbrios vão ganhando escala.
Show de horrores
No estudo A Análise Fiscal dos Estados, Pellegrini mostra como o quadro se agrava no decorrer dos anos. O que se vê é o aumento constante dos gastos com salários dos servidores e com aposentadorias, enquanto diminui o orçamento aos investimentos públicos. Essa é a combinação perfeita para oferecer serviços públicos a cada dia piores. O total de despesas correntes, principalmente em gastos com o funcionalismo, aumentou R$ 34 bilhões entre 2015 e 2019 (em valores já corrigidos), enquanto os investimentos diminuíram R$ 20 bilhões no mesmo período.
Consequência? Os estados estão consumindo uma parcela cada vez maior de seus orçamentos para pagar salários, aposentadorias e pensões.
Ainda segundo o estudo, os estados consomem, em média, 27,5% de seus recursos com as despesas previdenciárias. No Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, o percentual supera 35%.
Socialização da irresponsabilidade
Por tudo isso, a União não pode mais simplesmente arcar com a irresponsabilidade dos governos locais sem, em troca, ao menos exigir e impor contrapartidas duras. As medidas devem incluir a conclusão das reformas previdenciárias locais (alguns nem começaram), a aprovação da reforma administrativa e a contenção das despesas com o funcionalismo.
Infelizmente, o histórico é desanimador. Alerta Pellegrini: “A experiência com planos de ajuda nos últimos anos indica que não são poucas as chances de que o efeito mais concreto do PLP 101/2020 seja o alívio financeiro dos estados à custa de maior exposição da União junto a esses entes, e de mais dívida pública junto ao mercado. Já os efeitos fiscais positivos das contrapartidas em prazo razoável de tempo são incertos”.
Em outras palavras, mais uma vez a União será chamada a arcar com os custos do descontrole nas finanças estaduais, mas verá a sua dívida aumentar e os estados continuarão adiando os ajustes. Se assim for, será uma grande socialização da irresponsabilidade de anos e anos dos governos estaduais.
Pior: os estados terão muito pouco incentivo para realizar as reformas, porque sabem que, lá na frente, poderão contar mais uma vez com a benevolência do governo federal — benevolência essa, obviamente, bancada pelos impostos pagos por todos os brasileiros. Já se aproximam de R$ 100 bilhões os pagamentos de juros em atraso dos estados mais problemáticos. São R$ 62 bilhões apenas do Rio de Janeiro.
Só há uma maneira de esse projeto não ser uma nova oportunidade perdida: é preciso haver um compromisso firme com a realização das reformas e, se elas não forem feitas, os estados terão de ser passíveis de sanções duras e disciplinares. A socialização da irresponsabilidade não pode prevalecer.