Manter a inflação baixa não será benevolência do produtor nem do supermercado. A alta no preço dos alimentos se deve a fatores transitórios, que, cedo ou tarde, vão se estabilizar pelas forças do mercado. Inflação baixa e sob controle depende, isso sim, de uma economia aberta e competitiva. Depende também, fundamentalmente, de finanças públicas em ordem. O grande vilão inflacionário são os rombos orçamentários financiados pela emissão de dinheiro e dívida.
No passado, sempre que o Brasil enfrentava uma crise, logo havia uma disparada no preço do dólar, que impactava a inflação e exigia uma dose cavalar de juros. Felizmente, não é mais assim. O Brasil conquistou credibilidade no que diz respeito ao seu compromisso com a inflação baixa, e a Selic, a taxa básica de juros, está hoje em 2% ao ano, o menor patamar de toda a história do real. Mas essa credibilidade pode ruir rapidamente, como ocorreu em 2015, no governo de Dilma Rousseff, quando a inflação ficou acima de 10%.
Não é o caso agora, ao menos não por enquanto. A taxa de inflação medida pelo índice oficial do País, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado mensalmente pelo IBGE, tem se mantido abaixo de 3% ao ano. O número mais recente mostrou uma alta acumulada de 2,44% nos últimos 12 meses.
É um nível historicamente baixo, próximo ao de países desenvolvidos, e não há evidências de que os reajustes de preços fugirão de controle. Como comparação: na Argentina, a taxa básica de juros está em 38% ao ano, e a inflação gira ao redor de 40%.
Apesar de a inflação brasileira estar sob controle, existem pressões localizadas nos preços de alimentos. A inflação de agosto (0,24%) foi a maior para o mês desde 2016. Os alimentos para consumo em casa subiram bem mais: 1,15%. O arroz subiu 3,1% e acumula alta de quase 20% no ano. O feijão, dependendo do tipo, subiu perto de 30%. São altas consideráveis para o orçamento nas famílias mais pobres.
O custo da alimentação na residência subiu 11,39% nos doze meses, quase cinco vezes a inflação do período. Em contrapartida, os preços de serviços, como viagens e educação, ficaram mais em conta, porque a demanda por eles recuou durante a quarentena.
Por que o preço da comida aumentou
O que explica a alta no preço da comida? Uma série de fatores. Em primeiro lugar, houve uma mudança temporária nos hábitos de consumo. As pessoas estão fazendo mais comida em casa, comprando alimentos frescos. Os restaurantes comerciais são mais eficientes no preparo de refeições. Além disso, houve o impulso oferecido pelo auxílio emergencial. Os mais pobres tiveram mais dinheiro para gastar – o que é positivo, mas pode causar desequilíbrios localizados.
Mas o fator preponderante no aumento dos alimentos foi o choque externo. Em todo o mundo os preços estão em alta. Houve problemas de abastecimento por causa da desarticulação das cadeias de produção, em decorrência dos efeitos da pandemia do coronavírus. Para completar, muitos países tiveram quebras de safra, por questões climáticas e, também, pelo ataque de gafanhotos, como foi o caso na China.
Os chineses, a propósito, estão importando grãos e carnes como nunca. De janeiro a julho, o agronegócio brasileiro exportou US$ 33,9 bilhões, um aumento de 16,9% em relação ao ano passado. O maior comprador é a China, que elevou em 15% as suas compras de alimentos brasileiros.
Já houve situações semelhantes no passado, de aumentos esporádicos no valor dos alimentos no mercado internacional. Mas, para os consumidores brasileiros, parte da alta era absorvida pela queda no preço do dólar. Agora, contudo, o dólar também aumentou, o que exerceu uma pressão adicional sobre o preço da comida no mercado interno.
Por que o dólar aumentou
Isso leva à outra pergunta: por que o dólar está em alta? A cotação da moeda americana subiu mais rapidamente aqui do que na maior parte dos países emergentes, o que faz crer que os motivos devem ser encontrados no Brasil, e não em causas externas.
De fato, o País tem sofrido uma fuga de investidores nos últimos anos. Esse processo de retirada de dólares começou quando o Brasil perdeu o grau de investimento, em 2015, e, recentemente, aprofundou-se por causa da piora na situação das contas públicas. Quanto mais arriscado investir em um país, menor o potencial de atrair capital externo, e esse risco está diretamente relacionado com o bom estado da situação fiscal.
Em outras palavras, no lugar de questionar os supermercados e produtores, pedir “lucros próximos de zero” ou ressuscitar outras ações equivocadas – e populistas – de controle da inflação, faria melhor o governo se perseguisse as políticas que asseguram a estabilidade de preços ao longo prazo. Países mais confiáveis e mais abertos ao comércio internacional tendem a ter moedas menos voláteis. Menos volatilidade representa menos incertezas para as empresas e os consumidores.
O dragão fiscal
A carestia do arroz vai passar. Mas, caso não exista um programa crível de redução do déficit fiscal e redução da dívida pública, aí de fato a inflação sairá do controle. Existe uma situação em economia chamada de dominância fiscal. Quando um país possui um desequilíbrio fiscal acentuado, o aumento na taxa de juros agrava ainda mais a situação das finanças públicas, por causa do custo da dívida. O Banco Central perde a sua capacidade de ação. É uma situação similar à da Argentina hoje e à do Brasil antes do real. Espera-se que o Brasil não repita tal erro, depois de anos seguidos de trabalho duro para controlar a inflação. O arroz não representa risco nenhum para a inflação. Em breve, as forças de mercado vão restabelecer o equilíbrio entre oferta e demanda.
A grande ameaça inflacionária — por enquanto ainda latente — é o desequilíbrio fiscal. O rombo no orçamento vai superar R$ 800 bilhões neste ano, incluindo as despesas adicionais para combater os efeitos da pandemia, e a dívida pública se aproxima de 100% do PIB. Sem reformas na máquina pública e um plano crível para recolocar as contas públicas no azul, o Brasil perderá a sua âncora fiscal – e a inflação despertará para valer.