A privatização dos Correios é prioridade, diz o Governo. Mas o programa de Paulo Guedes não decolou. Nos últimos meses foram vendidas estatais controladas indiretamente pela União, mas nenhuma joia da coroa. As privatizações são essenciais para dar mais competitividade às empresas, permitir que elas cresçam e criem empregos, saindo da esfera da interferência política.
A “debandada” na equipe econômica, como disse com franqueza o ministro Paulo Guedes, expôs a tensão que existe no governo entre o grupo dos liberais reformistas e o bloco dos conservadores intervencionistas. Jair Bolsonaro nunca demonstrou convicção da necessidade de reformas profundas que mexam em interesses corporativos. A banda reformista de sua equipe refluiu, a turma a favor da abertura da torneira dos gastos ganhou força. Um indicador da queda na ambição reformista é a falta de vontade política do governo para fazer deslanchar as privatizações.
A lentidão no processo de venda das estatais e na aprovação de reformas de abertura da economia motivou a saída de dois nomes simbolicamente importantes no time de Guedes: o empresário Salim Mattar, que comandava a Secretaria de Desestatização e Privatização, e o economista Paulo Uebel, titular da Secretaria de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.
Mattar ambicionava vender as “joias da coroa”: Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Depois de ter estado um ano e meio no governo, praticamente nada foi privatizado, com exceção de algumas subsidiárias das estatais. Uebel tinha como uma de suas prioridades levar adiante a reforma administrativa, mas, pelos sinais mais recentes, o governo parece nada disposto a mexer nesse vespeiro.
Privatização dos Correios
Agora o governo promete desengavetar o projeto de privatização dos Correios. Certamente, não faltarão interessados para assumir a companhia, que possui um papel estratégico em uma economia na qual ganham força, a cada dia, as compras pela internet. O secretário Diogo Mac Cord de Faria, que assumiu o cargo que era de Mattar, como responsável pela Secretaria de Desestatização, diz que a venda dessa estatal é uma prioridade. Tomara. Mas ainda não há nada de concreto até o momento com relação aos estudos sobre o modelo de leilão e ao cronograma de venda dos Correios.
Há uma frustração crescente entre aqueles eleitores que esperavam de Bolsonaro um governo empenhado em enfrentar esses e outros vespeiros do estatismo e do corporativismo. A cada dia mais ponderando os seus atos com olhos nas eleições de 2022, Bolsonaro tem se mostrado ainda menos propenso a comprar brigas contra os grupos de interesse – e são essas as brigas que deveriam ser travadas em nome do benefício da maioria absoluta dos brasileiros, no lugar de incendiar conflitos estéreis nas redes sociais.
Na verdade, não surpreende a resistência a fazer privatizações em um governo dominado por militares. Foi durante a ditadura militar que as estatais se multiplicaram. Os generais criaram mais de 200 estatais, de todas as áreas, e o total de empresas controladas pela União chegou a 382. Isso sem falar nas dezenas de estatais estaduais e municipais surgidas nesse período.
Com a hiperinflação e a ruína fiscal, as desestatizações começaram ainda no governo Figueiredo. Ganharam força com Fernando Henrique Cardoso, que entregou a Lula um governo com menos de 100 estatais. Com Lula e Dilma, elas voltaram a crescer. Hoje existem 200 estatais federais, incluindo as controladas direta e indiretamente pelo governo, além de todas as subsidiárias.
Deve-se reconhecer que, quando Bolsonaro assumiu, o número de estatais era ainda maior. Nos últimos meses foram vendidas muitas empresas controladas indiretamente pelo governo. Mas também é fato que não houve nenhuma grande privatização e, provavelmente, não haverá: o presidente determinou que as joias da coroa continuarão sendo joias da coroa.
É um erro. No passado, foram vendidas companhias também consideradas joias da coroa e o resultado foi plenamente satisfatório.
Bons exemplos
A Embraer, criada em 1969, no auge da ditadura, e privatizada em 1994, tornou-se uma das maiores empresas de aviação do planeta. Desde a sua venda, multiplicou o número de funcionários por três. Ela nunca teria sido vendida por Bolsonaro. A Vale também não. Teria sido um desperdício enorme. A mineradora fundada por Getúlio Vargas empregava 10 mil pessoas quando seu controle foi vendido, em 1997, e hoje dá trabalho a 150 mil pessoas, incluindo colaboradores terceirizados. O número de vagas foi multiplicado por 15, como reflexo do crescimento extraordinário da companhia, uma das mais valiosas do país.
A Embraer e a Vale são dois exemplos de geração de riqueza e empregos que nunca teriam acontecido sem as privatizações. Isso faz imaginar qual seria o potencial da Petrobras, caso ela pudesse ser dividida e privatizada. O raciocínio vale também para as instituições financeiras. Como bem lembrou o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega em um artigo recente, o Banco do Brasil, controlado politicamente, terá dificuldades crescentes para se modernizar, reter talentos e se manter competitivo.
Mais competitividade
As privatizações, portanto, são essenciais para dar mais competitividade às empresas, permitir que elas cresçam e criem empregos, saindo da esfera da interferência política. Existe ainda o benefício direto para as finanças públicas. Não faz sentido o governo controlar companhias deficitárias cujos prejuízos precisam ser cobertos pelo dinheiro arrecadado pelos impostos. Estima-se que o rombo nas contas das estatais, entre 2009 e 2018, tenha chegado a R$ 190 bilhões, incluindo as subvenções e aportes diretos de capital.
Paulo Guedes dá sinais de ter rebaixado as suas ambições. Pode ser uma estratégia arriscada. Em O Príncipe, publicado postumamente em 1532, o florentino Nicolau Maquiavel ensinou que o bom arqueiro, para atingir o seu objetivo, precisa fazer a mira alto no céu, bem acima do alvo. Só assim a flecha terá a trajetória correta. Um governante em busca de firmar a sua liderança precisa agir da mesma maneira. Quem rebaixa o alvo nunca atingirá a sua meta.