Em um momento em que o crédito se faz tão necessário à sobrevivência financeira de famílias e empresas, o Senado põe em votação uma pauta-bomba capaz de desestabilizar o sistema financeiro. Trata-se do PL 1166, projeto que limita a cobrança de juros no cheque especial e no cartão de crédito em 30% ao ano. Aparentemente, a taxa de juros controlada poderia aliviar a situação financeira das famílias e dos negócios. Na prática ocorre o oposto: a intervenção direta no sistema de crédito traz graves distorções para o mercado, cujo resultado será a menor disponibilidade de crédito justamente para quem mais precisa dele.
O Projeto de Lei 1166/2020, apresentado pelo senador Álvaro Dias (Podemos-PR), é um dos 110 projetos em tramitação conhecidos como pautas-bomba. A crise do econômica causada pela Covid-19 atiçou a criatividade dos congressistas. As propostas de ampliação de gastos públicos e intervenções desastradas na economia vão se multiplicando. Esses projetos de cunho populista ameaçam reduzir o espaço de manobra que o governo tem para agir naquilo realmente necessário e emergencial.
O PL 1166/2020
O PL 1166/20 é uma intervenção direta no sistema de crédito. Ele limita a cobrança de juros no cheque especial e no cartão de crédito em 30% ao ano.
Originalmente, o projeto falava em criar um limite de 20% para os juros do cheque especial e do cartão de crédito durante a pandemia. Valeria para dívidas contraídas entre março e julho deste ano. O relatório de Lasier Martins (Podemos-RS) estendeu a validade do teto para toda a duração do estado de calamidade pública. Ou seja, até o fim do ano com a contrapartida de aumentar os juros anuais máximos para 30%.
A princípio, a medida parece bem-intencionada: uma taxa de juros controlada pode aliviar a situação financeira das famílias. No entanto, as consequências podem ser indesejadas.
A teoria
O mercado de crédito, tal como outro qualquer outro, tem seu preço e volume definidos de acordo com a oferta e a demanda, basicamente. O controle de preços, tal como a taxa de juros de um empréstimo, tende a reduzir o volume de crédito oferecido por um banco. É lógico: se alguém não pode cobrar o que considera razoável pela venda de sua mercadoria ou serviço, ela simplesmente poderá deixar de oferecer a mercadoria ou o serviço ao mercado. É isso o que poderá ocorrer, caso os juros sejam tabelados.
A teoria microeconômica prevê que os perdedores de tal medida seriam, justamente, aqueles que ela buscaria beneficiar: os mais pobres e os consumidores de comportamento mais arriscado. Isso ocorre porque esses grupos não possuem garantias suficientes para oferecer ao banco, caso não honrem seu compromisso.
Assim, o risco do custo de oferecer empréstimos torna-se nada interessante aos bancos.
A prática
A experiência recente de controle da taxa de juros ocorrida no Chile comprova a teoria. Em 2013, uma lei reduziu a taxa de juros máxima para empréstimos ao consumidor de 54% para 36%. O objetivo, tal como o caso brasileiro, era ajudar a situação financeira das famílias mais necessitadas. As consequências, ao fim, foram mais negativas do que positivas.
De acordo com estudo de José Ignacio Cuesta e Alberto Sepúlveda, o número de empréstimos concedidos diminuiu 19% no segmento regulamentado do mercado. Houve aumento do número de rejeições de empréstimo por parte dos bancos.
Outro estudo realizado por Carlos Medera também encontrou efeitos negativos: a exclusão de 9,7% das famílias do crédito bancário. O impacto da lei, segundo o autor, foi mais forte nas famílias mais jovens, menos instruídas e mais pobres.
Finalmente, o estudo mostrou que demandantes de maiores volume de crédito também foram desproporcionalmente afetados. Além disso, a redução no acesso à dívida do consumidor gerou impacto sobre todos os tipos de empréstimos, incluindo não bancários.
As consequências no Chile têm paralelo no Brasil: o controle de preços no varejo durante o governo José Sarney (1985-90) gerou desabastecimento dos mercados, impedindo que produtos essenciais chegassem às famílias. O princípio é o mesmo.
Insegurança jurídica
Há o argumento de que a proposta a ser votada no Senado terá impacto limitado, pois valerá apenas para dívidas contraídas entre março e dezembro de 2020. No entanto, a insegurança jurídica que ela introduz sobre o mercado de crédito trará um impacto permanente na credibilidade do país – com consequências negativas sob a perspectiva da atração de investimentos para o Brasil.
Os nobres senadores têm muito a fazer se quiserem contribuir para a superação da crise e a retomada da economia. Poderiam começar por dar celeridade às reformas que reduzam, em vez de aumentar, a insegurança jurídica enfrentada pelos empreendedores dispostos a investir no setor produtivo.
É preciso desarmar a bomba do PL 1166/2020 o quanto antes!