Café com CLP recebeu Sergio Moro, ex-ministro da Justiça. Símbolo maior do combate à corrupção no País, Moro é apontado como possível candidato à Presidência em 2022. Na conversa, Moro trata dos impactos nefastos da corrupção não apenas na economia, mas na gestão pública. Para o ex-juiz, o setor privado e a sociedade civil têm papel fundamental no combate à corrupção. Moro apoia a realização de reformas estruturantes no País e destaca a forte relação entre populismo, corporativismo e corrupção. Aqui estão reunidos os melhores trechos do debate.
A Lava Jato escancarou o maior esquema de corrupção da história. As investigações resultaram em 1.162 denunciados, 560 prisões temporárias e preventivas e 219 condenados — entre eles, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, R$ 4,9 bilhões já foram devolvidos aos cofres públicos.
A reação política era inevitável, como ocorreu na Itália, depois da Mãos Limpas. Começam a surgir sinais de retrocesso no combate aos delitos envolvendo dinheiro público. Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) cancelaram as condenações contra Lula e os processos voltaram à estaca zero. Outros réus poderão ser beneficiados pela decisão. Ao mesmo tempo, congressistas se mobilizam para aprovar leis que podem minar a capacidade de investigação contra os delitos envolvendo o dinheiro público. É um sinal de que o crime venceu?
Foram essas algumas das questões tratadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, em mais uma edição do Café com o CLP. O encontro, na manhã da sexta-feira (23 de abril), teve mediação do cientista político Luiz Felipe D’Avila, presidente do Centro de Liderança Pública (CLP) e publisher do Virtù News.
Melhores momentos da conversa
00:18 O principal impacto da corrupção
02:27 Avanços e retrocessos no combate à corrupção
06:37 A decisão do STF sobre a parcialidade de Moro
08:28 O papel do setor privado no combate à corrupção
09:52 Corrupção, corporativismo e reformas
12:15 A insegurança jurídica
13:50 O papel dos órgãos fiscalizadores
15:14 Imagem no Brasil no exterior
16:58 Moro é candidato em 2022?
18:29 Populismo X candidatura de centro
20:55 Participação no governo Bolsonaro
22:58 A integridade é um ativo
Símbolo do combate à corrupção
Devido sua atuação como juiz federal durante a Lava Jato, Moro tornou-se o símbolo maior do combate à corrupção no País e vem sendo apontado como um dos possíveis candidatos à Presidência na eleição de 2022. No encontro, Moro disse não ter a intenção de se candidatar a nenhum cargo político e que está focado agora na sua atuação como consultor da empresa Alvarez & Marsal. “Acredito no poder do setor privado”, afirmou Moro, referindo-se à ação em prol de um ambiente de negócios mais íntegro.
Moro negou que tenha executado perseguições políticas e que tenha sido parcial em suas decisões. Por isso, não pode concordar com a decisão recente do STF que derrubou as condenações contra Lula. “Os fatos são os fatos, por mais que se queiram construir narrativas”, concluiu.
Sobre a sua passagem no Ministério da Justiça, entre janeiro de 2019 e abril de 2020, Moro disse que recebeu no convite de Jair Bolsonaro uma oportunidade de avançar no combate à corrupção e ao crime organizado. “Quando vi que não teria condições, eu saí”, disse.
Síntese das declarações de Moro
Por que combater a corrupção
“Sempre pensamos a corrupção como suborno e o impacto no Orçamento. Mas o principal problema da corrupção é gerar distorções nas políticas públicas e de alocação de recursos. Ficamos reféns de interesses. Combater a corrupção não é um fim em si mesmo. Embora seja importante combater as injustiças e defender a ética, combater a corrupção é a oportunidade de ter a formulação de políticas públicas mais consistentes.”
Avanços no combate
“Tivemos o caso do Mensalão, que foi um marco no resgate da Justiça. Depois veio a Lava Jato. O esquema revelado foi muito superior ao do Mensalão. Tivemos pela primeira vez um retrato a fundo do que acontecia na administração pública brasileira. Uma coisa é ter uma ideia do que se passava, outra é ter os fatos e mergulhar nas entranhas. Foi um grande avanço. O Brasil, antes visto como um país da impunidade e da corrupção disseminada, passou a ser visto com uma certa admiração internacional. Não apenas porque estava combatendo a corrupção, mas porque estava colaborando com outros países.”
Decisão do STF sobre atuação tida como parcial na Lava Jato
“Respeito institucionalmente o Supremo. Mas não tenho como concordar. Na Lava Jato, jogamos como base nos fatos, com base nas leis. Todas as pessoas que foram processadas, julgadas e condenadas haviam cometido crimes, seja de pagamento ou recebimento de suborno. Os fatos não foram inventados. Foram recuperados cerca de R$ 4 bilhões para os cofres públicos. As empresas envolvidas fizeram acordos de leniência nos quais admitiram os fatos. Reconheceram crimes e pagaram indenizações. As condenações foram mantidas pelos tribunais superiores. Posso assegurar que não houve persecução ou julgamento tendo em vista opinião política.”
“A dimensão dos fatos levou algumas pessoas a dizer que fizemos uma criminalização da política. Mas quem criminaliza a política e quem se envolve em práticas de suborno. É um sistema de corrupção: o pagamento de suborno vira rotina. As revelações lamentavelmente envolveram a classe política, que levou a esse tipo de argumento. Mas os fatos são os fatos, por mais que se queiram construir narrativas.”
Retrocessos
“Agora estamos vendo um retrocesso. Esse retrocesso vem dos três poderes.“
“Tivemos a revisão da prisão em segunda instância, em 2019. Há também ações ruins no Legislativo, como a lei de abuso de autoridade. Gera um efeito intimidatório sobre a atuação de juízes, procuradores e policiais.”
Paralelos com a inflação
“A história do combate à corrupção é semelhante ao combate à hiperinflação. Chegou um momento histórico em que se falava que a inflação seria algo natural e estrutural de nossa economia. Diziam que perdíamos tempo em combater a inflação e o melhor seria conviver com ela. De repente, em 1994, houve um projeto político consistente e a inflação deixou de ser um problema central. Sabemos que se não tomarmos cuidado ela volta, mas a ideia de considerá-la algo natural foi superada. O mesmo vale para a corrupção. A Lava Jato mostrou que podemos fazer algo contra a corrupção. Precisamos continuar trabalhando.”
Reformas estruturantes
“Vemos a captura do estado em prol de interesses especiais. É preciso combater a corrupção pelo enfrentamento do patrimonialismo, do loteamento político. Temos a construção de privilégios e de monopólios. São elementos que não contribuem para o melhor ambiente político e para o setor privado. Precisaríamos de uma série de reformas estruturantes para eliminar privilégios, como o foro por função ou a nomeação política para cargos públicos.”
“O que há de tão errado no Brasil para que estejamos patinando nos últimos 30 anos. É falta de conhecimento? Não creio. Às vezes conseguimos emplacar algumas reformas, como foi no saneamento. Mas por que não conseguimos fazer isso de maneira mais consistente? Precisamos de mudanças que possibilitem essas reformas permanentes.”
Atuação privada e cenário político
“Meu foco é o setor privado. Quero amadurecer como profissional, por isso me atraiu a oportunidade de trabalhar para uma empresa internacional. Acredito no poder do setor privado. Estamos vendo isso na questão ambiental. Há tentativa de buscar déficit de atuação do setor público. Não podemos ser tão dependentes assim do governo. Vemos iniciativas do setor privado para buscar soluções diante das carências do setor público.”
“No campo do combate à corrupção, acho que o setor privado tem muito a contribuir, criando um melhor ambiente de negócios. É um ativo para a empresa e auxilia na construção de um país melhor.”
“Tenho ficado distante, portanto, das disputas eleitorais. Tenho observado como um bom cidadão. Mas estou preocupado com o que pode acontecer. Vamos continuar no caminho de patinar, como temos feito nos últimos trinta anos?”
“Não deveria haver no Brasil, a cada quatro anos, essa angústia toda, essa percepção de que é tudo ou nada. Demonstra que o País está frágil como sociedade. O governo não deveria fazer tanta diferença. Precisamos encontrar caminhos para avançar independentemente do governante. Precisamos construir instituições mais sólidas para não ficarmos reféns de populismos.”
Ministério da Justiça
“Não me arrependo de ter aceito o convite do presidente eleito. Havia uma expectativa de que a vestimenta do político radical fosse substituída por uma postura mais de estadista. Pesquisas da época mostraram aprovação da minha decisão de mais de 80%. Eu via uma oportunidade de criar políticas públicas mais consistentes, com foco no combate à corrupção, ao crime organizado e à violência.” “Quando verifiquei que não teria condições, eu saí. Permaneci fiel àquilo em que eu acreditava. Tenho a consciência tranquila.”