O Marco Legal das Startups trará ao setor público maior agilidade na contratação de novas tecnologias de trabalho e de gestão oferecidas por empresas jovens e inovadoras. O efeito da lei deverá ser especialmente positivo para as administrações estaduais e municipais, cujos processos de transformação digital são mais atrasados do que os do governo federal. Conheça os erros e acertos da nova legislação na opinião de 3 especialistas.
O setor público é intrinsicamente menos ágil do que o setor privado, sobretudo no que diz respeito ao uso de novas tecnologias de trabalho e gestão. Uma das barreiras está na própria dificuldade de contratar os serviços de empresas jovens e inovadoras, as startups. Isso promete mudar a partir de agora, depois da aprovação do Projeto de Lei Complementar 146/2019, o Marco Legal das Startups.
O texto, que passou no Senado e ainda depende de uma votação final na Câmara, define com mais precisão o que são as startups e como elas devem ser enquadradas para efeitos legais e tributários. Diz o projeto: “São enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”.
Com a nova legislação, um arcabouço institucional deverá estimular o crescimento desses negócios. Haverá maiores garantias legais para investidores dispostos a colocar capital em um empreendimento de risco, como uma startup – apenas 1 em cada 10 sobrevive após os primeiros anos de vida.
Estratégia digital nos estados
O efeito do novo marco deverá ser especialmente positivo para as administrações estaduais e municiais, cujos processos de transformação digital encontram-se, quase sempre, ainda mais atrasados do que os do governo federal.
O estudo Transformação digital dos governos brasileiros: Tendências na transformação digital em governos estaduais e no Distrito Federal do Brasil, realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), concluiu que 60% dos estados não contam com uma estratégia de transformação digital. O tema foi analisado no artigo de Tadeu Barros, diretor de Operações do CLP – Centro de Liderança Pública, e Fabrício Marques, presidente do Consad (Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração) e secretário de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio de Alagoas, publicado no Infomoney (O Marco Legal das Startups deve acelerar a transformação digital na gestão pública).
Impacto no setor público
Atualmente, como qualquer outra empresa, as startups ficam sujeitas à Lei 8.666/1993, que trata das licitações. Para as pequenas empresas de tecnologia, ainda mais para aquelas em estágio inicial de desenvolvimento, é extremamente difícil cumprir as exigências burocráticas da legislação. Mas, claro, para que não haja oportunismo, será necessário estabelecer criteriosamente quem poderá contar com os incentivos legais do novo marco.
“Procuramos chegar a um texto que traga mais segurança jurídica para os investidores”, afirma o senador Carlos Portinho (PL-RJ), relator do projeto no Senado. “Um dos grandes avanços será a regulamentação da relação jurídica das startups com o setor público. Os gestores da administração pública, nos seus desafios do dia a dia, podem se beneficiar muito das inovações trazidas por essas empresas.”
Uma das ênfases da última versão do texto foi dar garantias para não inibir a atuação dos chamados “investidores anjo”, aqueles responsáveis por bancar os primeiros passos de uma startup. Esses investidores não serão considerados sócios e, por isso, ficam protegidos em casos de eventuais falências e cobranças de dívidas do negócio.
Um dos pontos da nova lei é abrir a possibilidade de contratações de projetos experimentais pelo setor público. Com o novo marco, haverá também maior possibilidade de obtenção de crédito junto a organismo multilaterais, como o BID.
Destruição de capital
Hoje, sem leis adequadas, não raro as startups de maior potencial acabam sendo forçadas a abrir operações nos Estados Unidos ou na Europa apenas para se beneficiar do ambiente regulatório mais favorável. Os “investidores anjo”, aqueles que colocam dinheiro nos primeiros no negócio ainda em seu nascedouro, preferem fazer essas operações no exterior. Isso deve começar a mudar como o novo marco.
“Atualmente, o Brasil está destruindo capital. Estamos perdendo negócios que poderiam ficar aqui, como resultado de regulamentações e tributações anacrônicas”, afirma o empreendedor André Martins. Cofundador da startup Superjobs Ventures, André tem participado ativamente nas negociações para aprovação do novo marco. “O Brasil já está perdendo a janela demográfica que favorece o desenvolvimento, agora corre o risco de perder a janela da tecnologia e da inovação.”
Uma das críticas feitas ao texto aprovado no Senado é que ficou de fora a regulamentação das “stock options”. A possibilidade de remunerar funcionários e sócios com opções de participação acionária é um dos alicerces de qualquer startup. Mas houve um acordo para que esse ponto seja tratado em um projeto específico, porque não diz respeito exclusivamente às startups.
O advogado Eduardo Felipe Matias, vice-presidente da Comissão de Startups da OAB/SP e coautor do estudo Sharing Good Practices on Innovation, aponta outro ponto importante que ficou fora do projeto: a possibilidade de as startups continuarem no Simples. Para adotar esse sistema simplificado, teriam que abrir mão dos modelos societários das sociedades anônimas (SAs), mais adequados à captação de investimentos.
O governo resiste quando o assunto é reduzir a arrecadação. De acordo com Portinho, melhor seria que mais empresas se desenvolvessem. Assim haveria uma base mais ampla de contribuintes. “Hoje, 9 de cada 10 startups acabam morrendo nos primeiros anos de vida. O ideal seria que 5, 6 sobrevivessem.”
O texto será votado novamente na Câmara. Se não houver atrasos, poderá ser sancionado em abril. As startups são o motor da inovação, ao criar os negócios chamados disruptivos. São responsáveis por injetar produtividade em setores inteiros da economia e ganhar escala rapidamente. Sufocar startups é sufocar a inovação, a produtividade e as perspectivas de desenvolvimento econômico. O novo marco poderia ter sido mais ambicioso e deverá ainda ser aperfeiçoado, mas deve ser festejado. Agora o setor empresarial como um todo aguarda a aprovação de uma reforma tributária arrojada que incentive os investimentos produtivos e a geração de empregos.