Se antigamente bastava aproveitar 90 dias de campanha e muita exposição na TV, a campanha de 2018 já provou que em 45 dias e no universo virtual isso pode estar com os dias contados. Estratégias desse tipo são muito mais complexas do que podemos supor
Artigo de Humberto Dantas
A tese do “se” não ganha jogo. Aos 11 anos vi Zico perder um pênalti na Copa do Mundo de 1986 no México. “Se” ele tivesse acertado o Brasil seria campeão! É mesmo? Contra a Argentina de Maradona? Duvido. Em 1982 chorei muito, e se o Brasil tivesse empatado aquele jogo contra a Itália. Se…
Na política as suposições e a lógica de condicionamento são importantes apenas para a realização de exercícios de construção de cenários e percepções históricas. Tais ações nos ajudam na percepção da realidade, mas não são exatamente “a realidade”. Assim, o que teria ocorrido nas eleições de 2002 “se” Luís Eduardo Magalhães e Mario Covas não tivessem morrido algum tempo antes? Eram, certamente, nomes infinitamente mais fortes e viáveis para a aliança entre PFL e PSDB que José Serra – que afugentou o PFL e se mostrou muito frágil diante de Lula.
Mais adiante no tempo, em 2014, temos duas dessas percepções. O que teria sido do pleito sem a morte de Eduardo Campos? Mesmo não eleito naquele pleito, ele seria o candidato natural em 2018 para arrefecer a polarização entre PT e PSDB sem passarmos pelo caráter lunático de Bolsonaro? Pode ser que sim. E se Ciro Gomes não tivesse se afastado do PSB meses antes? Teria sido ele a substituir o falecido político pernambucano? Teria sido maior que Marina na disputa? Ninguém consegue dizer. E “se” a Rede tivesse nascido em 2013, em meio às Jornadas de Junho? Pois é. Se…
Quatro anos depois, o que teria sido de Bolsonaro sem aquela facada? O que teria sido das análises se a maioria dos cientistas políticos entendessem o fenômeno construído no paralelismo das redes sociais? Você ainda se pergunta como um presidente tão distante dos preceitos elementares das políticas públicas e da realidade mantém 25% de adesão absoluta de uma horda de fiéis hoje? Pois é. E “se” a gente entendesse melhor para que servem as redes sociais e o universo virtual?
Bolsonaro fez, e faz, o que nenhum líder mundial consegue nesse universo. Semelhante a ele apenas Trump. É o que me contou Manuel Fernandes, da Bites, em entrevista ainda não lançada da Plataforma Um Brasil. O presidente brasileiro construiu um império virtual onde reina absoluto. Ninguém da esquerda à centro-direita fez algo parecido – ninguém se preparou ou se estruturou para isso. O atual mandatário precisou de alguns anos para seu plano. Nitidamente, de forma declarada, começou em 2014 quando, após a reeleição de Dilma Rousseff, afirmou que seria o próximo presidente da República. Para tanto, mudou de partido duas vezes, em 2016 e 2018, e abandonou o terceiro ainda no primeiro ano de mandato. Foi eleito por conta de casualidades, mas também de muita estratégia. Bolsonaro é um sinal dos tempos políticos atuais, mas vai além: seu universo soube ler isso como poucos em 2018. Triste, mas verdadeiro.
E 2022? Pois é. As radicalidades dos tempos atuais refluem em muitos lugares, mas continuam vivas. Biden venceu Trump, mas isso não significa que o ex-presidente radical não esteja vivo. Matar cupim sobre a mesa não significa que eles não continuem comendo a estrutura de forma quase oculta. A radicalidade de Bolsonaro agrada um quarto dos aficionados, violentos e despolitizados brasileiros, e hoje ele perderia o pleito. Sumiria? Nunca. Apenas passaria um tempo na espreita, e oportunidades trazem tais personagens de volta. Assim como podem trazer Lula, o que para muitos seria trágico, enquanto para a maioria, hoje, seria bom. Isso é política.
E a terceira via? Isso não existe. É uma fantasia. Suponhamos que… Pronto, teremos que supor. Suponhamos que se mantenha viva a ideia de que mais de um quarto dos brasileiros não querem essa polarização. Mas a partir disso, alguns elementos precisam estar presentes: “se” todos que olharem esse número acharem que existe espaço para diversidade, pluralidade e disputa eleitoral, viveremos o instante em que a polarização obrigará o eleitor a abandonar as atomizadas alternativas e se concentrar em Lula ou Bolsonaro. Mas suponhamos que… Pronto, teremos que supor. Encontremos um nome, uma chapa, um conjunto. Ou no máximo dois deles, pois certamente Ciro Gomes não abrirá mão de sua sina e a centro-direita dificilmente o apoiará. Dois nomes. É possível? Que seja. Vamos supor. E a partir disso precisamos ter: discurso perfeito, força virtual, campanha, lideranças locais alinhadas, tempo, recurso, simpatia do eleitor… Pois é. Faltando menos de um ano para o primeiro turno, vamos supor que estejamos atrasados para essa construção. Impossível? De forma alguma, mas se antigamente bastava aproveitar 90 dias de campanha e muita exposição numa soberana TV, a campanha de 2018 já provou que em 45 dias e no universo virtual isso pode estar com os dias mais do que contados. Estratégias desse tipo são muito mais complexas do que podemos supor. Mas suponhamos que…
Humberto Dantas é doutor em ciência política pela USP e pós-doutor em administração pública pela FGV-SP. Coordenador dos programas de educação do Centro de Liderança Pública – CLP.