Decisão do governo permite o pagamento de teto remuneratório dobrado para servidores e militares da reserva. Canetada aumentará ainda mais os privilégios da elite do funcionalismo. Custo total ao cofres públicos deve superar R$ 180 milhões.
A decisão do governo de conceder, na canetada, o benefício de permitir o pagamento de teto remuneratório dobrado para servidores e militares da reserva terá um custo para os cofres públicos bem superior ao inicialmente divulgado. O impacto, de acordo com o Ministério da Economia, seria de R$ 66 milhões apenas neste ano. Mas uma estimativa inicial do Centro de Liderança Pública (CLP) indica que o valor total deverá superar R$ 180 milhões.
O chamado “teto duplex”, como já foi apropriadamente apelidada a decisão, aumentará ainda mais os privilégios da elite do funcionalismo. O teto legal para os vencimentos dos servidores é de R$ 39,3 mil. Muitos já conseguem driblar esse limite graças aos “penduricalhos” – os benefícios e auxílios de todo tipo.
Agora, com a portaria 4.975, publicada no dia 30 de abril pelo Ministério da Fazenda, alguns funcionários públicos poderão somar as aposentadorias e pensões aos seus salários. Em termos práticos, a ação representará um teto duplo, podendo chegar a quase R$ 80 mil de vencimentos ao mês. Mais precisamente R$ 78.586,64.
Os grandes beneficiados pela decisão serão os militares da reserva que trabalham no governo. Entre eles o vice-presidente Hamilton Mourão e os ministros militares da reserva. Mourão passará a receber R$ 63,5 mil, um reajuste acima de 60%. O vice-presidente já declarou que a decisão foi legal, ainda que eticamente seja controversa, por isso pensa em doar o valor adicional. A conferir.
O chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, terá um salário mensal de R$ 66,4 mil, uma alta de quase 70%. Outros militares de pijama favorecidos serão o ministro Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Telecomunicações, cujos vencimentos subirão para R% 56,4 mil, e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, que terá uma alta para R$ 63 mil. O teto duplex dos militares de pijama será equivalente a quase 70 vezes o soldo de um recruta do Exército.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que apenas seguiu uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas não indicou até o momento de onde sairão os recursos para pagar mais essa fatura não prevista no Orçamento. Ao todo, mais de mil servidores serão beneficiados com o reajuste generoso, em meio à profunda crise social, econômica e fiscal em que está mergulhado o País.
Não é absurdo imaginar que haverá aqueles que vão reivindicar pagamentos retroativos. E não será absurdo também imaginar que haverá juízes dispostos a autorizar tais pagamentos. Como não é absurdo que servidores estaduais peguem carona nessa decisão para elevar os seus rendimentos.
Fim aos privilégios
Como afirmou o economista Pedro Fernando Nery em artigo no jornal O Estado de. S. Paulo, os militares pegaram carona em decisões recentes do Tribunal de Contas da União (TCU) e do STF. Mas é uma portaria no mínimo controversa, porque as decisões foram relativas a aposentadorias, e os militares não se aposentam, porque, como eles próprios defendem, eles estão sempre à disposição do País.
Por isso, em vez de se aposentar, passam para a reserva. Historicamente, eles contam com os privilégios de não contribuir para o regime previdenciário e poder ir para a reserva ganhando o vencimento integral de que desfrutavam na ativa.
Congressistas reagiram à criação do novo privilégio e buscam maneiras legais de derrubá-lo. Mas não será uma batalha fácil. A única maneira de dar o fim definitivo a esses e outros privilégios da elite do funcionalismo será avançar uma reforma administrativa ampla, bem como projetos que regulamentem de uma vez por todas os limites a serem pagos ao funcionalismo e dando fim a penduricalhos e dribles constitucionais.
Em recente live promovida pelo CLP sobre a reforma administrativa, o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) condenou a concessão de mais esse privilégio. “O estado gera desigualdades, ao coletar impostos, especialmente dos mais pobres, e pagar um salário acima de R$ 60 mil para um general de reserva que virou ministro”, disse o deputado, que é presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa. “Com o teto duplex, é isso o que está acontecendo”.
Por isso ganhou ainda mais urgência a aprovação do Projeto de Lei 6726/2016, que põe fim aos supersalários. De acordo com uma nota técnica do CLP, a medida traria uma economia anual de R$ 2,6 bilhões aos cofres públicos. Seriam recursos suficientes para comprar quase 50 milhões de doses da vacina da Pfzier, por exemplo, ou conceder um reajuste médio de 8% aos benefícios pagos às famílias assistidas pelo Bolsa Família.
Com certeza, seriam gastos muitos mais nobres e prioritários do que engordar os privilégios dos generais da reserva e da elite do funcionalismo público.