Após receber altos investimentos, iFood, Loggi e Rappi batalham pela liderança.
As três maiores empresas de entregas rápidas com atuação no Brasil receberam US$ 1,650 bilhão em aportes em um período de oito meses. Dessa forma, a colombiana Rappi (US$ 1 bilhão) e as brasileiras iFood (US$ 500 milhões) e Loggi (US$ 150 milhões) tornaram-se unicórnios, startups com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão e alto potencial de crescimento, consolidando-se como os principais competidores da corrida pela liderança de um mercado bilionário. Nos últimos três anos, as receitas do delivery de alimentos no Brasil giraram em torno de R$ 10 bilhões.
Até o início de 2018, a única startup com status de unicórnio no Brasil era o aplicativo de transporte urbano 99 (a empresa recebeu um aporte de R$ 1 bilhão da chinesa Didi). Abria-se o caminho para uma mega-rodada de investimentos em negócios dedicados a solucionar gargalos logísticos das grandes cidades brasileiras. As startups de mobilidade urbana se ancoravam na ocorrência simultânea dos conceitos da inovação da indústria 4.0 — a saber, altas taxas de desemprego, flexibilização das leis trabalhistas e novos hábitos de consumo dos moradores das metrópoles.
Entre os três players desse segmento, segue vigente a regra não escrita do Vale do Silício de que uma startup promissora precisa ser a primeira ou, pelo menos, a segunda mais visível e cobiçada do setor. Esse posicionamento estratégico definirá o sucesso da startup na rodada de negócios seguinte, quando é esperado que uma das empresas, a primeira ou a segunda colocada, consolide-se como a líder inconteste do seu mercado. Foi assim com a 99. A empresa comprada pela chinesa Didi surgiu depois que a Easy Táxi havia se tornado a principal concorrente do Uber, deixando comer poeira outros aplicativos que atuavam no mesmo segmento.
A batalha pela liderança
Para o trio que está na frente (e, em menor grau, para o Uber Eats, que entrou há menos tempo no mercado), a batalha é para levar os aplicativos ao celular de todo morador das grandes cidades. O iFood tem 6 milhões de usuários ativos e registra 8,7 milhões de pedidos mensais. Além do Brasil, atua no México e na Colômbia. O Rappi tem 800 000 usuários no Brasil (de um total de 3,6 milhões espalhados, ainda, entre Colômbia, Argentina, Chile, Peru e Uruguai). Seu objetivo é chegar a 80 milhões de usuários em três anos. A Loggi, por sua vez, conta com 10 mil motofretistas e motoristas de van, fazendo 3 milhões de entregas em 30 cidades. Sua expectativa é chegar a 5 milhões de entregas no período de três anos.
Após a expansão das plataformas no mercado de entrega rápida de alimentos, o passo seguinte será o atendimento a outros segmentos. O delivery de remédios e outros produtos de farmácias e de compras de supermercado será o próximo alvo.
São milionárias as apostas das startups para liderar o mercado. Uma estimativa de mercado dá conta de que a Rappi está injetando R$ 100 milhões mensais na sua operação para manter a qualidade do serviço e, ainda, assegurar um preço atrativo aos usuários. Como se vê, custa caro conquistar e manter participação relevante no market-share. Os moradores das grandes cidades têm todo o direito de se indagar se a conta desses serviços fecha. Um dos formatos de assinatura da plataforma Rappi custa R$ 20 e dá direito à utilização do serviço durante todo o mês. Quem conhece bem esse tipo de startup sabe que sua estratégia é tornar-se o ente dominante do mercado, abolir ou absorver os concorrentes e, depois, passar a cobrar preços compatíveis com os modelos de negócio convencionais em que é preciso entrar mais dinheiro do que sai da operação.
Os agentes da “nova economia” acompanham o desempenho das três startups após os investimentos. De uma delas, ou de uma dupla, pode surgir um super unicórnio que irá consolidar o mercado. Há, ainda, o fator chinês. Como no caso do 99, se um fundo de investimentos ou uma gigante do porte da Alibaba decidir entrar no mercado brasileiro, a configuração atual mudará velozmente. Nessa direção, chama a atenção o aporte feito na Loggi pelo Vision Fund, que no início de 2019 fez um aporte de US$ 535 milhões na DoodDash, app de entrega de alimentos sediado em São Francisco, hoje a referência do setor.
Desafios do cenário de consolidação
O horizonte desse setor traz muitas promessas. No entanto, há algumas questões mal resolvidas que certamente terão impacto no valuation dessas empresas em um cenário de consolidação. Uma delas é como se dará a execução da nova lei trabalhista. A relação entre os motofretistas e as empresas tem sido objeto de ações na justiça e de críticas de vários setores da sociedade. A situação se acirrou no último mês, quando familiares de um motofretista do Rappi acusaram a empresa de omissão no caso de um acidente ocorrido no trabalho. Daniel de Jesus Dias, 33 anos, teve um AVC e morreu sem receber nenhum tipo de assistência. Dias era um microempreendedor individual (MEI).
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da Prefeitura de São Paulo, o setor de entregas rápidas já é o terceiro maior da cidade entre as MEIs, totalizando 24 mil profissionais. No ano passado, o crescimento foi de 165% em relação ao ano anterior (a alta percentual mais expressiva entre todos os segmentos acompanhados pela prefeitura). Trata-se, certamente, de um efeito da crise econômica que se arrasta há anos e dos seus efeitos no desemprego.