O histórico de votação dos dois candidatos à presidência da Câmara mostra que ambos se posicionaram a favor de projetos fundamentais ao Brasil. Os dois também prometem compromisso com o equilíbrio fiscal. É um bom ponto de partida. No entanto, matérias complexas que estão no horizonte, como as reformas tributária e administrativa, exigem enorme alinhamento político para serem aprovadas. É aí que mora o perigo. A sociedade civil precisa estar atenta para que o corporativismo não imponha obstáculos em prol de transformações essenciais ao país.
Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira (Progressistas-AL) vão disputar a presidência da Câmara, cuja eleição está marcada para o início de fevereiro. Caberá ao vitorioso o papel-chave de ditar as votações dos projetos em discussão e elencar, nas negociações parlamentares, quais matérias serão priorizadas e quais serão mantidas na geladeira.
Pelo retrospecto dos dois candidatos há motivos para otimismo moderado. Ambos têm histórico de votar a favor de alguns dos projetos mais importantes aprovados nos últimos anos, como a reforma da Previdência e o novo marco legal do saneamento básico. Deram também aval à MP da Liberdade Econômica e ao Fundeb. A análise das votações dos dois últimos anos revela, aliás, grande sintonia entre Rossi e Lira.
O vencedor da disputa, portanto, uma vez eleito, não deverá jogar contra as reformas, algumas delas imprescindíveis para a retomada do crescimento econômico de longo prazo, como a tributária e a administrativa. Prometem também manter o compromisso com o equilíbrio fiscal. Trata-se de um bom ponto de partida, mas obviamente insuficiente para que os projetos sigam adiante. Para serem aprovadas, as matérias mais difíceis exigem alinhamento político, e, como acontece com frequência, grupos organizados minoritários conseguem impor obstáculos a reformas.
Trata-se de um problema conhecido na ciência política como ação coletiva. É mais fácil organizar um grupo pequeno para defender interesses específicos, do que organizar grupos grandes em torno de benefícios difusos. Superar essa barreira exige coordenação política e pressão da sociedade civil, como foi o caso da reforma da Previdência.
Portanto, nunca será fácil, em país nenhum do mundo, fazer reformas, e ainda mais num país grande, heterogêneo e desigual, como o Brasil. Reformas quase sempre significam a retirada de privilégios e a revisão de direitos considerados “adquiridos”, e os grupos organizados exercem forte influência sobre os parlamentares – seja por razões políticas ou financeiras. A reação dos mais diretamente afetados sempre será inversamente proporcional à ação de mexer nos tais direitos. É comum também que existam aqueles que serão sempre a favor das reformas, mas desde que elas sejam válidas apenas para os outros. Afinal, o meu privilégio terá sempre uma boa razão a justificá-lo.
É natural que sociedades democráticas revisem os direitos considerados adquiridos de tempos em tempos, pois senão o Brasil seria ainda hoje uma nação escravocrata. Países que progridem conseguem formalizar coalizações em torno de consensos a favor de repactuar o contrato social periodicamente e, assim, fazer os ajustes necessários ao desenvolvimento econômico e social. Sem superar os obstáculos às reformas, as sociedades tendem ao declínio.
A ação da sociedade civil
O movimento Unidos pelo Brasil, lançado em julho de 2020, resultou de uma coalização de entidades e organização que reuniu esforços em prol de uma agenda reformista de grande impacto econômico e social. Como afirmou uma reportagem recente do Virtù, foram relacionados 25 projetos prioritários, todos capazes de contribuir para que o País recupere a sua capacidade de crescimento da economia brasileira, com geração de empregos, distribuição de renda e proteção ao meio ambiente. São todas matérias já em tramitação no Congresso, algumas delas aprovadas parcialmente, que, se forem colocadas em vigor, terão um efeito considerável na produtividade e na inclusão social. Os efeitos estimados seriam de uma economia de até R$ 322 bilhões aos cofres públicos e uma elevação de 11% no crescimento esperado para o PIB nos próximos anos.
Entre os projetos aprovados, está o marco do saneamento. Rossi e Lira votaram a favor. Os dois também disseram “sim” para a nova lei do gás natural, cujo texto foi alterado no Senado e voltou para a Câmara para uma nova votação. A autonomia do Banco Central, outro projeto prioritário, passou no Senado, e agora será analisado pelos deputados. É outro ponto que deverá ter a concordância de Rossi e Lira.
Uma reportagem do Virtù mostrou que os dois têm se posicionado a favor da manutenção do teto de gastos e são defensores tanto da reforma tributária como da administrativa, ainda que com ligeiras divergências. Há, portanto, razões para um otimismo com relação ao encaminhamento da agenda de reformas neste ano, quando, espera-se haverá o declínio da pandemia e a retomada dos projetos estruturantes.
Entre os temas que devem entrar em pauta em breve está o novo marco legal para as ferrovias (PLS 216/2018), que vai desburocratizar os investimentos no setor e incentivar a competição entre as empresas. Já existe um consenso formado e pode-se esperar que o projeto entre na pauta em breve.
A lista de prioridades, contudo, é extensa, e os projetos caminham vagarosamente, como se não houvesse uma crise monumental batendo à porta. Nem o governo nem os parlamentares parecem suficientemente convencidos de temas como o ajuste fiscal e a regularização fundiária.
Um alerta dos problemas que poderão se agravar no País foi o anúncio do fechamento das fábricas da Ford, um reflexo do ambiente de negócios adverso e pouco competitivo, como, por exemplo, o cipoal tributário. Empresas, não raro, só sobrevivem à base de subsídios e benefícios fiscais. É a receita parra o desastre.
A coordenação política em torno da agenda dos projetos estruturantes será o grande desafio político dos próximos meses, ganhe Rossi ou Lira. A sociedade civil, organizada em movimentos como o Unidos pelo Brasil, terá que continuar atenta e atuante, denunciando retrocessos e exigindo reformas.