Os desafios de 2020 e a ausência de comando do Executivo Federal fizeram o país amadurecer politicamente. Deram ao Legislativo protagonismo na execução das medidas e reformas estruturantes. Abriram espaço a novos líderes nos estados e municípios. Semearam uma sociedade civil mais ativa. Em 2021, a sociedade deverá continuar atenta e atuante contra o populismo, que fragmenta e conduz o o país ao abismo.
Pelo retrospecto dos dois primeiros anos de Jair Bolsonaro no poder, pode-se ter a certeza de que o presidente da República não se transformará em um estadista da noite para o dia. Nem mesmo chegará perto de assumir as funções básicas daquilo que se espera de um governante. Não vai liderar as reformas estruturantes, não vai coordenar as políticas sanitárias e econômicas de enfretamento da pandemia, não vai exercer uma diplomacia multilateral em benefício do País.
Na ausência da liderança do Executivo, falta coordenação para articular a aprovação das medidas essenciais ao desenvolvimento econômico e social. O contraponto positivo foi a atuação determinada de novas lideranças políticas que despontaram nos últimos anos, bem como o papel crescente de movimentos organizados da sociedade civil. Novos atores ganharam representatividade e renovaram o debate das políticas públicas, em áreas como a saúde, a educação, o meio ambiente e a reforma do estado. Virtù, ao longo de 2020, deu espaço a essas novas vozes e enfatizou, em suas reportagens e editorias, a importância de a sociedade civil exercer um maior protagonismo na defesa das reformas – e, assim, não deixar o País à mercê dos conchavos políticos e dos lobbies corporativos.
No editorial O novo normal da política brasileira, Virtù registrou as duas tendências mais relevantes dos movimentos que ganharam espaço no vácuo de liderança: um Parlamento mais independente e uma sociedade civil mais ativa. Afirma o texto: “Essa combinação de forças – um Parlamento independente e uma sociedade civil ativa – traz novos ares de renovação no cenário político. Afinal, uma democracia forte e saudável só existe quando há uma sociedade civil participativa e engajada na vida pública. Felizmente, os brasileiros começam a acordar para o fato de que o futuro do País é fruto das nossas escolhas, ações e omissões – e não do poder mágico e a vontade imperial do presidente da República. A pandemia acelerou o processo de amadurecimento político da sociedade brasileira. O populismo não tem um futuro promissor quando cidadãos se sentem responsáveis pelo destino do seu País. Isso é bom para o Brasil e para a nossa democracia”.
A conscientização política da sociedade brasileira também foi tema do editorial Experimentação, gestão eficiente e amadurecimento. Como destacou o texto, o Brasil, além de lutar contra o coronavírus, viu-se obrigado a enfrentar outro desafio adaptativo: como evitar que um presidente desgovernado destrua o país. “Felizmente, a sociedade brasileira dá mostras de que o Brasil pode caminhar no rumo certo, a despeito do presidente. A união cívica da sociedade, do setor público e privado e a ala do bom senso do governo federal criaram pontes e canais para cooperar com ideias”, afirma o editorial.
No que diz respeito à renovação política, Virtù destacou a atuação do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Depois de ter recebido como herança um estado falido, Leite tem perseguido uma agenda de reformas profunda na administração pública, esmerando-se na negociação política e na transparência quantos aos problemas a serem enfrentados e aos objetivos das ações pretendidas. Enquanto Bolsonaro desencadeia crises políticas e inspira seus subordinados a fazerem o mesmo, fazendo o País refém do corporativismo e do populismo, o governador do Rio Grande do Sul é virtuoso na sua capacidade de mobilizar a população, a sociedade e a classe política para enfrentar os reais problemas da sociedade brasileira e realizar as reformas necessárias.
No editorial É preciso virtude política para aprovar reformas estruturais, são citadas características que Eduardo Leite demostra para aprovar os ajustes necessários: “Clareza e transparência sobre os reais problemas, coragem e determinação para tomar medidas duras e impopulares, diálogo e entendimento com a sociedade”.
Bolsonaro, ao contrário, guia-se pelos interesses corporativistas – aqueles que sabotam as perspectivas das reformas verdadeiras. A tibieza e a insensatez do presidente foram tema dos editoriais O Brasil em último lugar, Bolsonaro: o Nero Brasileiro e O populismo de Bolsonaro é o maior entrave ao crescimento econômico do País.
O mandatário, infelizmente, não foi o único a jogar contra os interesses do país, como ressaltou o editorial A pequenez do establishment é o verdadeiro inimigo da democracia. Afirma o texto: “A crise do Covid 19 deveria servir como a força aglutinadora do País para a retomada da agenda da competitividade e do crescimento econômico. Mas não: Governo abandona reformas essenciais; Congresso vota “pautas-bombas”, que comprometem o futuro do País; empresários brigam por reserva de mercado para suas indústrias. Cada um quer defender seu quinhão de direitos e favores. O que ameaça a democracia não são manifestações a favor da ditadura: são atitudes mesquinhas. Elas destroem a confiança no Estado e abrem caminho para o triunfo do populismo e da barbárie”.
Em 2021, a sociedade civil deverá continuar atenta e atuante. Bolsonaro continuará sendo Bolsonaro, sempre pronto a incendiar o País em benefício de seus interesses mais rasteiros. A defesa da democracia exigirá mais democracia: 2020, um ano tão difícil para os brasileiros, trouxe ao menos a esperança de que o amadurecimento político poderá oferecer ao País vacinas contra populismos e despotismos.